Caros,
recebemos interessante questionamento do nosso colega e seguidor Dr. Victor Honda, que agora compartilhamos com todos. Pergunta-nos o Dr. Victor:
“Uma senhora cuida de um terreno vizinho ao seu há aproximadamente 50 anos, algo em torno disso. O terreno é limpo, tem árvores plantadas por ela, cercado e não há muro dividindo seu território e a casa da senhora que cuida dele. Existem fotos da família fazendo uso do terreno em festividades como natal em diversos anos. Existem inúmeras testemunhas no bairro que conhecem a condição. A proprietária do terreno reside em São Paulo e não tem contato algum com a senhora que cuida do terreno. Logo a proprietária desconhece como é a real situação do terreno quanto a limpeza, entre outras coisas. Jamais enviou então qualquer tipo de notificação para desocupação do referido terreno. O terreno tem 250 m². A casa que a senhora reside não está em seu nome. (está no nome do falecido pai dela, onde até hoje não fizeram inventário ainda). Não há contas no terreno. Ai vem a grande dúvida: O IPTU é pago desde sempre pela proprietária! Somente o fato dela pagar o imposto já é o suficiente para impedir a usucapião?“
Resposta:
A questão é bem interessante. Já se defendeu que a natureza da posse nunca se transmudaria (de comodato ou detenção para a posse ad usucapionem). Defendia-se que esta natureza se manteria e que o comodato não poderia gerar a usucapião.
Porém, hoje há uma visão mais flexível sobre o tema. Veja anexo julgado do STJ (clique aqui para ler a decisão do STJ) que reconhece a possibilidade de usucapião de área cedida em comodato porque verificada a alteração das características de sua ocupação. Não é exatamente o caso questionado, mas a essência do julgamento se aplica ao seu questionamento.
O centro desta questão é a prova sobre a mudança efetiva da natureza desta posse. O simples fato de a proprietária (de registro, porque a verdadeira proprietária já é aquela que usucapiu o imóvel) pagar o IPTU não retira e nem interromperia o prazo da usucapião.
Entendemos ser possível a usucapião do imóvel, mesmo que a proprietária ainda pague o IPTU. Isso porque ela não exerce qualquer poder sobre o imóvel, que já saiu de sua esfera há muito tempo. A prova de que a atual moradora não cumpre ordens, exerce a posse como bem entende, promove as alterações que deseja no imóvel sem consultar a proprietária, etc, tudo isto é prova de que não há uma detenção ou um comodato. Testemunhas que comprovem que a possuidora trata e sempre tratou o imóvel como se fosse dela, que ela aparenta para terceiros como proprietária, que ninguém nunca soube da existência de um outro proprietário, etc, também contribuem.
Em outras palavras, o que vai contar mesmo é a prova do “animus domini”, fundamental para se obter o reconhecimento da usucapião.
Enfim, deve-se enfatizar que o proprietário não exerce qualquer poder sobre o imóvel e que, perante todos, a proprietária é a possuidora. Que a possuidora se considera a própria proprietária e age como tal.
Neste caso, ainda, pode haver um ponto bem positivo: o imóvel é destinado à moradia da possuidora? Se for possível fazer esta interpretação, pode-se até invocar a usucapião especial urbana, que reduz o prazo aquisitivo.
Boa tarde tenho a seguinte dúvida também referente ao usucapião. Uma senhora reside num imóvel ha mais de 30 anos. Este imóvel foi comprado por seu pai que já é falecido. Não existe contrato desta compra pois feita ha muito anos atrás. Esta senhora como já dito reside no imóvel ha mais de 30 anos, como moradia, não possui outros imóveis em seu nome. A dúvida é, o IPTU continua em nome do seu pai falecido, embora quem efetua os pagamentos seja ela, já as contas de água e luz estão em nome de um sobrinho que não reside no local, mas paga as contas. É possível ela conseguir ter êxito em uma ação de usucapião?
Prezada Barbara,
o pagamento do IPTU é apenas um dos indícios de que a pessoa é possuidora do imóvel e de que o possui com animus domini. A usucapião decorre de um contexto geral, e não apenas de provas objetivas e determinadas. A posse ad usucapionem pode e deve ser provada com outros elementos também. Logo, não é requisito essencial da usucapião que o tributo ou os outros encargos decorrentes da posse (como água, luz, etc) sejam lançados em nome do possuidor. E a demonstração de pagamento dos débitos, mesmo que lançados em nome de terceiros, comprova que aquela pessoa exerce a posse como se dona fosse.
Grande abraço,