Prezados leitores, sejam todos bem-vindos. A partir de hoje eu e meu colega Fábio vamos dar início às postagens referentes às discussões do Direito Civil e do Direito Imobiliário, abarcando, ainda, questões referentes ao Direito dos Consumidores.
Para tanto, hoje trataremos de um assunto que ainda gera muita dúvida entre os consumidores. O adquirente de um bem imóvel, mesmo inadimplente das parcelas a serem pagas à Construtora pode pleitear pela devolução do imóvel? Sim. o Código de Defesa do Consumidor prevê tal possibilidade. E com relação aos valores pagos? Tem direito à restituição? Sim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo vem firmando entendimento de que os consumidores devem ser restituídos de 80% a 70% dos valores que foram pagos. Caso os valores pagos tenham sido muito reduzidos, há jurisprudência admitindo a retenção da integralidade dos valores pela construtora. Também é comum que os consumidores nos perguntem: e caso tenha residido no imóvel por um, dois anos? Devo pagar algum valor? Neste caso a jurisprudência também fixou o entendimento de que a Construtora pode cobrar o valor de 1% (um por cento) ao mês do valor atualizado do contrato, a título de fruição do imóvel.
Nesse sentido, vejam-se a Apelação Cível N° 990.10.343810-8, julgada pela 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Data do Julgamento 1º de Dezembro de 2010.
Ementa: “CONTRATO – Compromisso de compra e venda de imóvel – Rescisão, cumulada com reintegração de posse e indenização – Procedência parcial – Réu inadimplente – Direito de arrependimento – Reconhecimento pela doutrina e jurisprudência – Restituição das parcelas pagas – Cláusula que limita a devolução – Abusividade – Caracterização – Possível retenção de vinte por cento a título de despesas administrativas, mais 1% pela fruição do imóvel – Recurso parcialmente provido para estes fins”.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 990.10.343810-8 da Comarca de BARUERI, em que são apelantes BANFRA ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/C. LTDA. E OUTRA, sendo apelado SÉRGIO LUIZ FINOCCHIARO:
ACORDAM, em Sétima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso.
Trata-se de ação de rescisão contratual, cumulada com pedidos de indenização e de reintegração de posse, julgada parcialmente procedente pela sentença de fls., cujo relatório adoto.
Foi decretada a rescisão do contrato e autorizada a reintegração das autoras na posse do imóvel, condenando estas à devolução das quantias recebidas, com correção monetária desde os desembolsos e juros de mora a partir da citação.
Sendo maior a sucumbência do réu, este foi condenado ao pagamento de dois terços das custas, das despesas processuais e da verba honorária de 20% do valor dado à causa. Irresignadas, recorrem as autoras, pedindo: 1) a reforma da sentença para que a devolução seja limitada a 60% dos valores pagos, ante o comprovado inadimplemento de apelado; 2) que este seja condenado ao pagamento de perdas e danos em razão da ocupação indevida do imóvel enquanto esteve inadimplente; e 3) que suporte, na integralidade, os encargos da sucumbência. Recurso regularmente processado.
É o relatório.
O recurso merece provimento parcial.
Confessado o inadimplemento do réu (fls. 127), bem agiu o nobre Juiz em decretar a rescisão do contrato, retornando as partes, então, ao statu quo ante.
Assim admitem a doutrina e a jurisprudência, merecendo transcrição, a propósito do tema, interessante ensaio doutrinário do Dr. JAMES EDUARDO C. M. OLIVEIRA, Juiz de Direito no Distrito Federal: “Em todos os contratos preliminares, sejam próprios ou impróprios, têm os consumidores o direito de se arrepender antes da formalização da escritura definitiva. As características ímpares das promessas de compra e venda – contratos preliminares impróprios – não retiram a prerrogativa de arrependimento dos consumidores. A Lei 8.078/90 nasceu do princípio constitucional da defesa do consumidor e pulverizou todos os entraves jurídicos ao exercício do direito de arrependimento até então residentes no direito positivo. Os dogmas tradicionais do contrato continuam a alicerçar a sua estrutura jurídica, mas o Juiz não deve hesitar em neutralizar a vontade dos figurantes quando estes não tiveram o cuidado de adequá-la à realidade legal implantada pelo Código de Defesa do Consumidor”. E cita o articulista, também, acórdão do Colendo Supremo Tribunal Federal que, reproduzindo lição de LOPES DA COSTA, proclama que “jurisdicionar é adequar a lei ao fato; quando o julgado viola a essência e a finalidade da lei, ele viola a própria lei” (voto do Min. Cordeiro Guerra, na AR 1.047, in RTJ 101/62)” (RT 735/107).
Outro não é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que, em caso semelhante ao dos autos, pelo voto do Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, assim decidiu: “Penso que não corresponde à melhor interpretação do nosso sistema legal a assertiva de que o pedido de devolução das quantias pagas em cumprimento de contrato de promessa de compra e venda não possa ser formulado pelo promissário comprador, ainda que inadimplente. A restituição das partes à situação anterior é uma conseqüência da resolução do contrato, pois a extinção da avença implica a necessidade de recomposição, tanto quanto possível, da situação assim como ela era antes É partindo desse enunciado que esta eg. 4ª Turma tem reafirmado, em diversos julgados, seu entendimento de que, em princípio, o promissário-comprador tem direito à devolução das prestações pagas na execução de contrato que ficou impossibilitado de cumprir, face à superveniente alteração das circunstâncias, direito que pode ser reconhecido seja na ação de resolução proposta pela promitente-vendedora, seja na de iniciativa do promissário-comprador, pois a restituição, como efeito da extinção do contrato, se faz presente tanto em um caso como em outro, independentemente da autoria da ação” (REsp n° 132.903 – SP, in RSTJ 106/334).
Entretanto, a restituição das parcelas pagas não pode ser integral, pois as autoras tiveram custos operacionais com a comercialização do imóvel, sendo justo, portanto, que retenham uma parte delas, ora arbitrada em 20% (vinte por cento).
É nesse sentido que tem se orientado a jurisprudência:
“Direito Civil — Recurso especial – Ação de conhecimento sob o rito ordinário – Compromisso de compra e venda de imóvel -Inadimplemento do promissário-comprador – Resolução contratual -Legitimidade ativa ad causam – Possibilidade – Fundamento – Favor debitoris — Cláusula de decaimento – Enriquecimento sem causa do promitente-vendedor – Limitação. — O direito à devolução das prestações pagas decorre da força integrativa do princípio geral de direito privado favor debitoris (corolário, no Direito das Obrigações, do favor libertatis). — O promissário-comprador inadimplente que não usufrui do imóvel tem legitimidade ativa ad causam para postular nulidade da cláusula que estabelece o decaimento das prestações pagas. – A devolução das prestações pagas, mediante retenção de 30% (trinta por cento) do valor pago pelo promissário-comprador, objetiva evitar o enriquecimento sem causa do vendedor, bem como o reembolso das despesas do negócio e a indenização pela rescisão contratual. – Recurso especial a que se dá provimento” (REsp n° 293.214 – SP, relatora a Ministra NANCY ANDRIGUI, RSTJ 149/321).
Por outro lado, a cláusula 5ª (fls. 49), que determina a devolução de, no máximo, 60% (sessenta por cento) dos valores pagos é abusiva, pois coloca o consumidor em desvantagem exagerada.
A doutrina ensina que cláusulas abusivas “são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas…” (nota 1, art. 51, Código de Defesa do Consumidor, in Código Civil Anotado e Legislação PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO A.C. N° 990.10.343810-8, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, 2ª ed., São Paulo: RT, 2003).
Finalmente, as autoras também têm direito de receber o equivalente a 1% (um por cento) do valor atualizado do contrato, por mês de ocupação, desde o início da inadimplência até a reintegração na posse, como indenização pela traição do imóvel, nada mais lhes sendo devido, pois ficarão livres para comercializar o bem.
Por estes fundamentos, dá-se provimento parcial ao recurso para determinar a retenção de 20% (vinte por cento) dos valores pagos e mais 1% (um por cento) do valor atualizado do contrato, por mês de ocupação, desde o início da inadimplência até a reintegração das autoras na posse do imóvel, condenando o réu ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.
O julgamento teve a participação dos Srs. Desembargadores LUIZ ANTÔNIO COSTA (Presidente) e GILBERTO DE SOUZA MOREIRA, com votos vencedores.
São Paulo, 1º de dezembro de 2010.
SOUSA LIMA (Relator)