O conhecido brocardo Cuius est solum, eius est usque ad coelum et ad inferos (latim para “aquele que é o proprietário do solo o possui desde o céu até o centro da terra”) vem sofrendo limitações com o passar do tempo.
Há muito já não se aplica o referido princípio romano em toda a sua extensão. Com a evolução do direito, novas noções surgiram para se delimitar a extensão do chamado “direito de propriedade”.
Obviamente, o poder do proprietário sobre o solo não se delimita por sua superfície. Há de se estender a uma determinada altura e a uma determinada profundidade, sob pena de se tornar inútil ao proprietário. Daí porque, ainda hoje, se diz que a propriedade do solo abrange a do que lhe está superior e inferior.
Como nos ensina Orlando Gomes, “a rigor, porém, o que se estende verticalmente é o poder do proprietário, seu direito de utilização do bem”[1].
Surge, entretanto, dúvida para se determinar o limite desse poder de utilização do espaço que se situa acima e abaixo do solo.
Como bem observou o referido doutrinador, a questão não está “em saber até que altura ou profundidade se estende o poder de praticar atos úteis ou não ao exercício da propriedade, mas em determinar o limite ao seu direito de excluir a intromissão alheia no espaço aéreo ou no subsolo correspondente à área do seu terreno”[2].
Conclui-se, com base nesse conceito, que não haverá interesse em impedir que terceiros pratiquem atos a uma determinada altura ou profundidade se não houver resultado prático algum para o proprietário.
E essa definição se aplica tanto para o espaço aéreo quanto para o subsolo.
E o tema voltou a debate em recente decisão do STJ, em discussão que envolvia dois proprietários vizinhos. Ao colocar alguns tirantes de sustentação durante a realização de uma obra em sua propriedade, o dono da obra acabou “invadindo” parte do terreno vizinho e originou uma disputa judicial entre os vizinhos confinantes.
Ocorre, porém, que essa “invasão” se deu a uma profundidade de 4 metros e rendeu grande discussão em torno do direito do proprietário ao subsolo delimitado pelas linhas divisórias da propriedade. O dono da obra teria ou não praticado esbulho ao explorar o subsolo do imóvel vizinho sem qualquer autorização?
Em decisão bem fundamentada, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que não.
Discorrendo sobre o alcance do subsolo de uma propriedade, que fica limitado a uma profundidade útil ao seu aproveitamento, o STJ reconheceu ser ilegítima a pretensão do proprietário que se dizia esbulhado porque uma eventual procedência de sua ação não lhe traria nenhuma utilidade.
Mesmo afastando seu pleito e julgando a ação improcedente, sua propriedade não sofreria limitações e não haveria qualquer interferência ao pleno exercício do direito de propriedade.
Vê-se, dessa forma, que a limitação ao direito de propriedade sobre o espaço aéreo e o subsolo devem ser medidos e analisados com cautela e em observância ao caso concreto, não havendo como fixar limites objetivos ou matemáticos para a questão.
Fonte: STJ: REsp 1233852
Fabio Tadeu Ferreira Guedes é advogado especializado em direito imobiliário e sócio do escritório Junqueira Gomide & Guedes Advogados Associados. fabio@junqueiragomide.com.br
www.junqueiragomide.com.br
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Boa noite!!
Por favor, me esclareça uma dúvida. Quando a construtora utiliza o subsolo sem autorização e isso ocasiona severos danos ao imóvel, a única responsabilidade dela é pela completa reparação do imóvel ou cabe alguma outra contrapartida?
Grata.
Prezada Vivian,
há diversos pontos que devem ser verificados. De um modo geral, se a obra causou danos aos imóveis vizinhos, a construtora deverá indenizá-los, ressarcindo os prejuízos causados. É por isso que as construtoras, antes mesmo de iniciar as obras, realizam vistorias na vizinhança e elaboram laudos técnicos para documentar a situação dos imóveis antes e depois das obras. Normalmente, há até um seguro contratado para esse fim. Procure a construtora. Ela enviará técnicos ao seu imóvel para realizar uma vistoria. As construtoras sérias fazem exames isentos e, uma vez apurada sua própria responsabilidade, farão os devidos reparos.
Grande abraço,
Quando um empreendimento tem garagem no subsolo, pode ser cobrado o IPTU?
Caro Martins,
independentemente de a garagem estar situada no subsolo ou não, ela deve ser tratada como qualquer outra propriedade imóvel. A Lei 4.591/64 já dispunha expressamente que cada unidade autônoma será tratada com prédio isolado, sobre ela incidindo as taxas condominiais, impostos e todos os encargos pertinentes.
A única diferença é que, em alguns empreendimentos, a garagem não possui matrícula individualizada, enquanto em outros, a garagem é representada por matrícula própria. Tanto em um como em outro caso, há incidência de IPTU.
Grande abraço,
Bom dia! Permita comentar e perguntar… O ‘direito’ e mais subjetivo do que nunca! Como lidar , por exemplo, com uma prefeitura que passou um encanamento de esgoto a 15 anos,e agora repassou a COPASA, utilizando terrenos particulares, a fim de jogar o esgoto da cidade no Rio Para. Sendo que a COPaSA precisará tratar esse esgoto, e fará uma obrando terreno, pagando somente uma indenização de uso da dita…
Pergunto: tenho o direito de indenização sim, mas esse uso do terreno auferindo lucros apenas, não cabe um pagamento de royalties?
Prezada Daniela,
interessante ponto de vista, mas que demanda uma análise multidisciplinar da situação. De todo modo, cairemos na mesma questão abordada neste post: qual é o limite ao direito de propriedade? A propriedade é ilimitada? Ou seu limite é o quanto você pode efetivamente fruir do terreno adquirido?
Seria necessário uma procedimento de desapropriação do espaço do subsolo por onde passam os encanamentos?
A discussão toda retorna ao ponto inicial? Há limites para o direito de propriedade com fundamento na possibilidade real de fruição?
Grande abraço,