Há prejudicialidade entre as ações possessórias e petitórias? Deve haver a suspensão do trâmite da ação possessória até que se discuta o domínio na ação reivindicatória?
Na busca por esta resposta, analisaremos brevemente o acórdão proferido pela Ministra Nancy Andrighi, nos autos do REsp 866.249, em julgamento datado de 17.04.2008. Clique aqui para ler o acórdão, que está assim ementado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREJUDICIALIDADE EXTERNA ENTRE AÇÃO POSSESSÓRIA E USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO. INEXISTÊNCIA. NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO.
– Ajuizada ação de usucapião especial urbano posteriormente e contra aquele que já havia deduzido em juízo sua pretensão de reintegração de posse, suspendeu-se este último processo, por prejudicialidade externa, com fundamento no art. 265, IV, ‘a’, CPC.
– Não há prejudicialidade externa que justifique a suspensão da possessória até que se julgue a usucapião. A posse não depende da propriedade e, por conseguinte, a tutela da posse pode se dar mesmo contra a propriedade.
Recurso Especial provido.
Primeiro, a Ministra Nancy Andrighi levanta algumas premissas sobre posse x propriedade, para fixar o entendimento de que posse é tratada e defendida independentemente da propriedade, como a doutrina e os julgados demonstram e são pacíficos neste ponto.
É possível defender a posse sem qualquer relação com a propriedade. Se assim não fosse, o proprietário teria uma “carta branca” para agir da forma como bem entendesse, escorado pela justificativa de ser o proprietário. Poderia agir pela própria força em qualquer situação. É daqui que o julgado parte.
Pois bem, feita a distinção entre posse x propriedade, o cordão passa a analisar se a ação petitória ajuizada após o ajuizamento de uma ação possessória, teria o condão de suspender aquela ação. Ou seja, há uma ação possessória em curso quando ajuizada uma ação reivindicatória.
Imaginando existir prejudicialidade entre as ações, acabaríamos suspendendo o trâmite da possessória. Ora, primeiro deve ser verificado quem é o proprietário e depois quem terá direito à posse, certo? É isso que o acórdão afasta, dizendo que esta prejudicialidade não existe neste caso.
Pensando pela prejudicialidade, nenhuma ação de reintegração de posse chegaria ao seu fim antes de discutir quem é o proprietário do imóvel. Como meio hábil a suspender toda e qualquer reintegração de posse, bastaria o ajuizamento de uma ação reivindicatória pelo possuidor, ainda que infundada. É por isso que as duas ações podem e devem tramitar concomitantemente, segundo o acórdão.
O acórdão separa o tratamento de duas situações distintas: (i) a descoberta de quem é o proprietário; e (ii) se houve perda da posse de maneira ilícita. Entende-se, assim, ser possível discutir (ii) se a posse é viciada em uma ação e (i) quem é o proprietário em outra.
A partir desta premissa, o proprietário continua podendo buscar a posse em razão da propriedade (ação reivindicatória), mas, ao mesmo tempo, a posse continua sendo defendida independentemente da titularidade do domínio (ação possessória). Voltando às premissas do acórdão, se o proprietário não possui uma “carta branca”, não pode tomar a posse por força – nem mesmo sob a justificativa de ser proprietário. E isso vale para o possuidor que alega já ter preenchido os requisitos da usucapião. Não adianta ele alegar ser proprietário (usucapião), se não consegue justificar e demonstrar exercer uma posse justa.
Defender a existência de prejudicialidade em todo e qualquer caso, faria surgir situações peculiares, que certamente não são desejadas. Apenas exemplificando, imagine uma situação em que está em curso uma ação reivindicatória. Sob a alegação de ser o proprietário, o autor da reivindicatória, de forma violenta, esbulha a posse do réu. Este réu não seria tutelado de maneira correta se o poder judiciário dissesse a ele: “há uma prejudicialidade aqui. Não vou analisar o seu pedido possessório porque está em curso uma ação reivindicatória, baseada no título dominial. Somente depois discutiremos a posse”. Estaria concedida ao suposto proprietário exatamente a “carta branca” que pretende ser afastada pelo acórdão.