A incorporação imobiliária é uma atividade complexa, que envolve inúmeras variáveis e uma gama considerável de relações jurídicas simultâneas. O trabalho do incorporador é gerir essa atividade e canalizar todas essas relações jurídicas para um único fim: a construção de um determinado empreendimento.
A atividade do incorporador passa pela localização de terrenos apropriados, elaboração de projetos, registros e averbações, obtenção de alvarás e licenças, contratação de profissionais, compra de materiais, execução das obras projetadas, obtenção dos certificados pertinentes, especificação das unidades e constituição do condomínio edilício e, por fim, a venda das unidades autônomas construídas ou a construir e sua entrega futura aos adquirentes.
A atividade é desenvolvida ao longo de muito tempo e anos transcorrem desde a idealização do empreendimento até a entrega da chave da unidade construída ao adquirente. Assim, fica fácil de se perceber que a incorporação imobiliária é uma atividade de risco que precisa ser minuciosamente projetada. Qualquer equívoco na alocação e avaliação dos riscos pode comprometer o sucesso da incorporação.
A vida de um empreendimento começa muito antes de o mercado de consumo tomar conhecimento de sua existência. Meses e anos de trabalho antecedem ao lançamento de uma edificação ao público em geral e outro período considerável acompanha a fase de sua efetiva construção.
Na prática, isso que dizer que o incorporador precisa antever o futuro e antecipar aquilo que os consumidores terão interesse em adquirir alguns anos depois. Não aquilo que seja um consenso naquele momento em que o empreendimento é concebido, mas que poderá sê-lo no momento em que ele for finalizado. É preciso estar sempre um passo adiante, antecipar tendências, interesses e, principalmente, comportamentos sociais e econômicos. De nada adiantará o trabalho realizado se, quando as vendas começarem, nenhum interessado aparecer para comprar as unidades, seja porque a economia não está bem e ninguém tem dinheiro em caixa para uma aquisição vultosa, seja porque o produto não desperta mais o desejo dos consumidores.
Obviamente que as vendas são de suma importância para o sucesso do empreendimento. Não se constrói por construir e não há altruísmo no mercado capitalista. O objetivo é mesmo a venda de todas as unidades.
Mas, ao contrário do que possa parecer a um leigo, o incorporador não é o único beneficiado com o sucesso na venda das unidades. Todos ganham quando a incorporação atinge seu objetivo, inclusive (e principalmente) os adquirentes.
Não se esquece de que o incorporador desenvolve uma atividade econômica e seu objetivo final seja obter lucro com a venda de unidades construídas. Mas esse objetivo, vale frisar bem, é apenas o último passo de toda essa cadeia de atividades desenvolvida para que a construção chegue ao seu final. Eventual lucro é uma consequência do trabalho realizado e uma coisa é certa: o resultado econômico positivo não se verifica durante a fase de desenvolvimento e de construção do empreendimento. Até que se obtenha o Certificado de Conclusão de Obra (“Habite-se”), a incorporação imobiliária é uma atividade deficitária por natureza.
Enquanto o resultado financeiro não chega, de certa forma, todos os envolvidos partilham alguns riscos. Até que se obtenha qualquer espécie de lucro, significa que os custos necessários para a construção do empreendimento ainda não foram angariados. Se o dinheiro parar de entrar no caixa, em tese, pode não haver fluxo financeiro para finalizar a construção.
Ao contrário do senso comum de que as construtoras possuem caixa em abundância e que podem suportar tranquilamente a construção de um empreendimento com recursos próprios, a prática empresarial demonstra que não é exatamente isso que ocorre. A saúde financeira de um empreendimento depende substancialmente da venda das unidades ainda na fase de construção.
Em termos gerais, os números só começam a se tornar favoráveis quando o Certificado de Conclusão da Obra é expedido e os adquirentes passam, de forma sistemática, a celebrar instrumentos de financiamento com as instituições financeiras para pagamento de seu saldo devedor.
É comum se dizer na construção civil que o valor obtido com a venda das unidades ainda na planta é convertido em “tijolo”. De fato, O incorporador depende do recebimento das parcelas obtidas com a venda dos imóveis “na planta”. Ao receber as parcelas, o dinheiro é revertido para a construção. Esse valor, em certa medida, “financia a própria obra”.
O que se pretende demonstrar é que a saúde financeira do empreendimento depende substancialmente do recebimento dessas parcelas e a interrupção desse fluxo de pagamento pode comprometer a continuidade das obras, os prazos, o cumprimento de obrigações em geral e, inclusive, a conclusão do empreendimento.
Fosse essa preocupação apenas abstrata, não seria nem mesmo necessária a promulgação da lei 13.786, de 27/12/2018, a chamada “Lei dos Distratos”. No fundo, o que essa lei faz é, basicamente, proteger a saúde financeira do empreendimento que está sendo construído, na medida em que expressa diversas regras aplicáveis para as hipóteses em que o adquirente, além de manifestar seu interesse em não mais contribuir com as parcelas a que havia se obrigado (resilir o contrato), ainda pretende retirar do caixa do empreendimento os valores que já pagou (restituição dos valores pagos).
Para evitar que um movimento de saída dos adquirentes venha a desfalcar o fluxo financeiro da obra, paralisando-a ou inviabilizando-a, foram reforçadas regras básicas para balizar os valores que serão restituídos ao comprador “desistente” e como se dará essa restituição.
O intuito principal da Lei foi o de reestabelecer prioridades. Colocando-se o término da construção como o principal objetivo, dosou-se quanto e como se dará a restituição de valores àqueles que não mais contribuirão para o resultado final da incorporação, resguardando o direito desses adquirentes, na exata medida em que também se protege os demais adquirentes do mesmo empreendimento. A Lei trouxe uma verdadeira ponderação de interesses, com a escolha clara para a blindagem e segurança do objetivo comum envolvido em detrimento do interesse individual de cada adquirente.
Sem o intuito de ser repetitivo, o objetivo maior é a proteção da coletividade de adquirentes ao se colocar a construção do empreendimento como meta principal, ainda que o exercício do direito de um ou de outro adquirente, individualmente, tenha de ser postergado para após a conclusão das obras (no caso de restituição de valores pagos, por exemplo).
Para entender o fundamento que está por trás desse posicionamento, é preciso olhar para a incorporação e vê-la como uma atividade que necessita se autoalimentar. A incorporação depende, para ter sucesso, de fontes de autossustentação. Se não dispuser de meios de captação de recursos lastreados na própria construção, a incorporação estará fadada a sofrer seríssimos problemas financeiros.
A história já nos mostrou na prática o que acontece com as empresas que, em determinado momento de sua trajetória, perdem a capacidade de autossustentação em cada empreendimento e passam a atuar com fluxo cruzado de capital, onde os recebíveis de um empreendimento são direcionados para cobrir custos de outro empreendimento. Começa um “jogo do cobertor curto” e alguma parte acaba ficando descoberta. Até que o mecanismo não se sustenta mais e a empresa quebra, deixando inúmeros adquirentes e suas famílias desamparados.
Após famoso episódio de grande magnitude, em razão dessa prática e que levou uma das maiores construtoras do país à falência, iniciou-se um movimento que resultou na aprovação da lei 10.931/04 e na instituição do chamado Patrimônio de Afetação, que tem por objetivo segregar, do patrimônio geral do incorporador, as obrigações e os direitos decorrentes de um determinado empreendimento específico. Constituído o patrimônio de afetação, todos os recebíveis decorrentes de um empreendimento ficam a ele vinculados, até que sua construção seja finalizada. Evita-se que os valores recebidos sejam empregados para saldar outras obrigações do incorporador que não sejam decorrentes do empreendimento que o originou. Realiza-se uma espécie de blindagem patrimonial da incorporação, tanto para os recebíveis quanto para as obrigações a serem cumpridas.
Mais uma vez, prioriza-se a construção do empreendimento. Resguarda-se o objetivo comum de todos os envolvidos naquela determinada incorporação (onde se incluem os próprios adquirentes), protegendo-se o caixa da incorporação. É mais um exercício de autossustentação.
É justamente nesse contexto, em que se coloca o interessa da coletividade como prioridade, que se destaca a importância do prazo de carência para que o incorporador possa denunciar a incorporação e “desistir” do empreendimento.
Nos termos do artigo 34, da lei 4.591/64, “o incorporador poderá fixar, para efetivação da incorporação, prazo de carência, dentro do qual lhe é lícito desistir do empreendimento“.
Isso quer dizer que, mesmo depois de muito trabalho, registros, lançamento do empreendimento ao público e até depois do início das vendas das unidades, o incorporador pode refletir se deve ou não seguir adiante com o empreendimento.
É no momento em que o incorporador realiza o lançamento do empreendimento ao público que todas as suas expectativas serão colocadas à prova. Será que o mercado receberá bem o produto projetado? Como reagirá o mercado de consumo hoje sobre o empreendimento idealizado meses ou anos atrás? Será um sucesso de vendas ou um fracasso?
Por mais que o empreendedor entenda o mercado e por mais que ele tenha planejado minuciosamente o produto que colocará à venda, apenas os resultados concretos lhe darão subsídios para a tomada de decisões empresariais importantes. Será nesse momento que o incorporador poderá sentir a viabilidade econômico-financeira do empreendimento.
Afinal, o empreendimento será autossustentável?
Se as vendas se mostrarem promissoras e se o trabalho desenvolvido até então estiver dentro do planejado, o incorporador terá a confirmação de que o empreendimento chegará ao resultado esperado. É hora de partir para a construção.
Se a resposta for negativa, um problema grave já se apresenta antes mesmo do início das obras. Verificada provável dificuldade com o fluxo de caixa, a considerar os resultados das vendas iniciais, é viável seguir em frente com um empreendimento que não conseguirá se manter financeiramente? Ao incorporador consciente, talvez seja o momento de dar um passo atrás e evitar um problema maior.
Não sendo confirmada a viabilidade econômico-financeira da obra, o incorporador poderá denunciar a incorporação ao Registro de Imóveis. Em seguida, deverá comunicar sua posição aos adquirentes.
Veja-se, uma vez mais, a preocupação com a conclusão do empreendimento, em benefício de toda a coletividade de interessados na aquisição de unidades. Se o empreendimento não se mostrar viável, é melhor interromper a incorporação nesse momento do que levá-la adiante, evitando-se que os adquirentes sejam prejudicados no futuro, ou que outros interessados venham a adquirir um empreendimento fadado ao insucesso.
Para se valer da denúncia, é preciso que o incorporador tenha arquivado junto ao Cartório de Registro de Imóveis uma declaração onde expressamente tenha fixado o prazo de carência (nos termos dos artigos 32, “n”, e 34, § 1º, da lei 4.591/64) e as condições que o autorizarão a desistir do empreendimento. Trata-se de direito potestativo do incorporador e basta-lhe cumprir as formalidades exigidas, denunciar a incorporação ao Registro de Imóveis e comunicar a cada um dos adquirentes.
Determina o já referido artigo 34, que o incorporador poderá desistir da incorporação dentro do “prazo de carência”. De acordo com o seu parágrafo segundo, “em caso algum poderá o prazo de carência ultrapassar o termo final do prazo de validade do registro ou, se for o caso, de sua revalidação“. O parágrafo sexto ainda é categórico ao afirmar que “o prazo de carência é improrrogável“. Ou seja, cabe ao próprio incorporador estipular um possível prazo de carência, dentro do qual poderá desistir do empreendimento.
De modo coerente, visando a segurança jurídica de todos os envolvidos, determinou-se um prazo máximo para que essa carência seja estipulada: o “termo final do prazo da validade do registro ou, se for o caso, de sua revalidação“. Buscando auxílio no disposto no artigo 33, ainda da lei 4.591/64, e no artigo 12, da lei 4.864/65, observa-se que é de “180 (cento e oitenta) dias o prazo de validade de registro da incorporação“.
De fato, cento e oitenta dias é um prazo razoável para criar um ambiente de segurança jurídica tanto para o incorporador quanto para os adquirentes. Nem é um prazo exíguo para o incorporador analisar a viabilidade financeira do empreendimento e nem deixa o adquirente em longa incerteza acerca de sua efetivação.
Pois bem. O que se tentou demonstrar até aqui é que o objetivo principal da incorporação deve ser buscado com muita ênfase. Deve-se proteger a coletividade de adquirentes para viabilizar que a construção do empreendimento se torne uma realidade. Aqueles que acreditaram na incorporação e entregaram seu dinheiro ao incorporador esperam receber e devem receber aquilo que compraram. A posse da unidade autônoma deve ser entregue ao adquirente. E, para materializar esse objetivo, diversos mecanismos legais foram criados para esse mister, protegendo o patrimônio da incorporação e o próprio patrimônio da coletividade de adquirentes.
Ocorre que, no presente tempo de crise, de incertezas nas relações jurídicas, muito tem se falado a respeito da flexibilização de obrigações, renegociações contratuais, extensão de prazos para pagamento, dentre outras possíveis consequências provocadas pela pandemia do coronavírus.
As dificuldades têm gerado inúmeras discussões doutrinárias, ainda embrionárias e predominantemente hipotéticas, a respeito de como deverão ser enfrentadas juridicamente suas consequências. Os casos mais corriqueiros geraram os primeiros burburinhos, mas, aos poucos, vão surgindo inúmeros outros que afetam igualmente uma parcela significativa da sociedade.
A preocupação que nos toma agora é saber como as relações jurídicas serão afetadas. E, principalmente, qual será a postura do Poder Judiciário diante de demandas que postulem a alteração de obrigações contratuais. O tema ainda está indefinido e, neste momento, ainda está em votação o PL 1.179/2020, que deverá trazer algum norte para esse debate.
Por isso, a ideia aqui é chamar a atenção não só pela hipótese de que essa estrutura da incorporação será fortemente impactada e sofrerá interferência direta do Poder Judiciário, como para o fato de que a fluência do prazo de carência para a denúncia da incorporação, nesse momento, é inócua e igualmente prejudicial.
Embora a venda das unidades na planta seja importante e indispensável para gerar fluxo financeiro para a construção, é igualmente certo que o incorporador financiará o custo da obra junto a instituições financeiras. Provavelmente, quando houver o lançamento do empreendimento ao público em geral, o incorporador já tenha celebrado um contrato de financiamento bancário.
Ocorre que, mais uma vez, ao contrário do que o senso comum possa sinalizar, o agente financeiro não entregará qualquer valor de imediato para a construção. Antes disso, o empreendimento terá de atingir certos objetivos e demonstrar sua viabilidade econômico-financeira.
Esse contrato de financiamento estará certamente subordinado a diversas cláusulas suspensivas e resolutivas. A principal delas deverá conter disposição no sentido de que o contrato de financiamento se aperfeiçoará se, e somente se, as vendas atingirem uma determinada quantidade mínima de unidades. Ou seja, o contrato de financiamento ficará subordinado à venda de uma porcentagem do empreendimento, o que indicará que o próprio empreendimento é viável e autossustentável.
Com esse contrato em mãos, o incorporador promoverá o lançamento do empreendimento e se empenhará em realizar a venda do maior número de unidades que conseguir dentro do prazo de carência. Atingido o número mínimo de vendas contratualmente definido junto ao agente financeiro, e que provavelmente deverá superar 40% do total das unidades antes do início das obras, o incorporador terá condições de avaliar se o empreendimento será viável e autossustentável ou não.
Se esse número mínimo de vendas não se tornar uma realidade, é hora de reflexão e, possivelmente, de tomar a decisão de desistir da incorporação e denunciá-la.
Problema grave que ocorre em tempos de pandemia e de isolamento social é que esse momento de reflexão está absolutamente prejudicado. A principal razão pela qual existe o prazo de carência não faz sentido neste momento.
Não adianta promover o lançamento de empreendimentos novos durante o confinamento dos pretensos adquirentes porque ninguém comparecerá ao estande de vendas. Na Cidade de São Paulo, por exemplo, foram editados Decretos Municipais e Estaduais determinando o fechamento de estabelecimentos comerciais e de estandes de vendas.
A venda remota de imóveis também não é algo que, neste momento, surta resultados expressivos. A compra de um imóvel é um grande evento na vida dos brasileiros, que lutam para que esse momento se torne realidade. Logo, é um momento tão importante na vida das pessoas, que o adquirente necessita ir ao local, quer ver as plantas do condomínio, ter o prazer de visitar as unidades decoradas, precisa tirar dúvidas com os corretores e, enfim, deseja viver o momento da realização do sonho da casa própria. Só que a venda presencial, neste momento, está inviabilizada.
Some-se a isso a própria insegurança financeira da atual conjuntura da sociedade, que naturalmente já contribui para a redução das vendas. Situação essa que se agrava com o crescente número da população que vem perdendo o emprego a cada dia que a pandemia avança pelo país.
E com os lançamentos já realizados, a situação é ainda pior. Já houve todo um esforço canalizado para lançar o empreendimento e divulgá-lo ao mercado. Certamente já há um fluxo de vendas em andamento e que foi interrompido pelo isolamento social.
Ou seja, a análise da confirmação de viabilidade econômico-financeira do empreendimento estava em andamento, mas foi abruptamente interrompida pela pandemia. Os números atuais já não refletem a tendência real de vendas e/ou de aceitação do mercado. Simplesmente surgiu uma paralisação temporal das relações contratuais em geral.
O grande problema é que o prazo de carência segue em curso, alheio à pandemia que nos rodeia. Neste momento, há mais incertezas do que respostas. Quanto tempo a pandemia permanecerá? Depois dela, tudo voltará a ser como era antes?
O prazo de carência, como afirmado, é um direito potestativo conferido ao incorporador. Independe, portanto, da aceitação dos eventuais adquirentes. Presentes as condições, cabe exclusivamente ao incorporador exercer ou não esse direito.
A natureza jurídica do prazo de carência, vale lembrar, é decadencial. Isso quer dizer que, não exercido o direito dentro do prazo fixado, extinto estará. Não pode ser estendido por mera vontade do incorporador ou por sua exclusiva conveniência. Extinto o direito, o incorporador não poderá mais desistir da incorporação e estará obrigado a seguir com o empreendimento.
A dilação do prazo de carência merece atenção. Não é prudente, no cenário atual, forçar o incorporador a tomar a decisão de denunciar ou não a incorporação. Trata-se de medida que atinge diretamente muitos interessados. O momento pede calma e maior reflexão.
O Conselho Nacional de Justiça, atento ao problema vivido no país, já sinalizou que “os prazos de validade da prenotação, e os prazos de qualificação e de prática dos atos de registro serão contados em dobro” (CNJ, Provimento nº 94, art. 11). A mesma disposição foi replicada pelo Provimento CG nº 7, expedido pela Corregedoria Geral de Justiça São Paulo (Comunicado 231/2020), em seu artigo 2º.
Todavia, ainda não está claro qual será o tratamento que será concedido ao prazo de carência e à validade do registro da incorporação, nem se haverá tratamento diferente para a hipótese em cada localidade, a considerar a extensão continental de nosso país e suas especificidades regionais.
O projeto de lei 1179/2020, já aprovado pelo Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputados, “dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado no período da pandemia do coronavírus (COVID-19)“.
O Projeto fixa como termo inicial dos eventos derivados da pandemia o dia 20 de março de 2020 (art. 1º, § único). Mas determina que, a partir da entrada em vigor da lei, caso o Projeto venha a ser aprovado, “os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso“, “até 30 de outubro de 2020” (art. 3º, caput). E a mesma disposição se aplicará às hipóteses de decadência. Para afastar qualquer dúvida acerca da extensão do impedimento ou da suspensão da fluência aos prazos decadenciais, o parágrafo segundo, do art. 3º, expressamente determina que essa disposição “aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no artigo 207, da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”1.
Há um momento de insegurança e o debate se faz necessário.
O Provimento nº 94, do Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo 11, e/ou o Provimento CG nº 7, expedido pela Corregedoria Geral de Justiça São Paulo (Comunicado 231/2020), em seu artigo 2º, duplicam o prazo de carência para a denúncia da incorporação? Uma vez aprovado o texto do artigo 3º, do projeto de lei 1179/2020, o prazo de carência ficará suspenso entre a aprovação da lei e o dia 31 de outubro de 2020, ficando igualmente impedido de começar a fluir os novos prazos que se iniciariam nesse período?
A suspensão do prazo de carência certamente resolveria um problema latente da incorporação e evitaria decisões precipitadas de denúncia da incorporação e, de outro lado, evitaria que os adquirentes fossem prejudicados em outras situações em que o incorporador tenha de optar por seguir com o empreendimento mesmo sem a convicção, neste momento, de que a incorporação seja autossustentável.
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1 Art. 207, CC: Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.
Fonte: Migalhas Edilícias