Por Leonardo Toledo da Silva e Bárbara Araujo Medeiros, respectivamente, sócio e associada do Porto Lauand Advogados, e colaboradores do IBDiC.
Fonte: Valor Econômico, veiculado em 16.07.2013.
Com a instauração da comissão de reforma da Lei de Arbitragem muito se tem discutido sobre o fortalecimento de outros métodos alternativos de resolução de controvérsias. Essa discussão interessa aos profissionais da área de infraestrutura, pois o surgimento de conflitos durante a execução de contratos nessa área é bastante comum. E, diante desses conflitos, no intuito de evitar maiores atrasos ou paralisações nas obras, pode-se fazer uso de métodos alternativos de resolução de controvérsias.
Uma opção interessante são os chamados “dispute boards”, método alternativo de resolução de controvérsias que ainda não é comum no Brasil, porém de utilização mais frequente nos contratos de infraestrutura de grandes obras no exterior, em especial nos países anglo-saxões.
A Câmara de Comércio Internacional (CCI) define os dispute boards como os “comitês compostos de um ou três membros, normalmente estabelecidos quando do início de um contrato, para auxiliar as partes contratantes na resolução de quaisquer conflitos que possam surgir durante a sua execução”. De acordo com as regras da CCI, os dispute boards se dividem em: dispute review boards (DRBs), dispute adjudication boards (DAB) e uma mistura dos dois tipos anteriores denominada combined dispute boards (CDBs).
Os dispute boards não podem ser somente uma etapa prévia e onerosa antes da instituição da arbitragem
Nos dispute review boards, em caso de conflito, é emitida uma recomendação para as partes, que podem cumpri-la ou não. Nos dispute adjudication boards, a decisão dos dispute boards é vinculante e deve ser cumprida pelas partes. Já nos combined dispute boards, normalmente são emitidas recomendações, mas caso uma das partes solicite uma decisão e a outra parte não se oponha, a recomendação será vinculante. A decisão pela aplicação dos DRBs, DABs ou CDBs nos contratos caberá às partes quando da sua negociação.
Entretanto, a obrigação de cumprimento das decisões emitidas pelos dispute boards é contratual, diferente de um laudo arbitral, não sendo possível buscar a sua execução via Poder Judiciário como um título executivo, segundo entendimento majoritário da doutrina. Portanto, em caso de descumprimento de decisão emitida por dispute board, a parte prejudicada deverá recorrer à arbitragem prevista no contrato.
Outras características do dispute board que podem ser vantajosas são as seguintes: (i) a escolha dos membros que irão compor o dispute board pelas partes normalmente ocorre antes do conflito existir, o que gera uma escolha mais imparcial, priorizando o conhecimento técnico que esses membros possuem da atividade objeto do contrato, e não a probabilidade de decidir em favor de uma parte; (ii) as partes podem dispor dos membros do dispute board durante todo o período do contrato, se assim for definido; (iii) os membros do dispute board são constantemente atualizados sobre os fatos relevantes da obra, por meio de relatórios, reuniões, e até mesmo visitas ao local das obras, o que resulta em recomendações ou decisões mais adequadas às necessidades do projeto; (iv) possibilidade de decidir sobre um conflito sem a necessidade de se recorrer à arbitragem.
Apesar das vantagens acima, os disputes boards ainda não são comuns nos contratos de infraestrutura no Brasil. Isso ocorre, em especial, pelo custo de manutenção do dispute board. De acordo com as recomendações da CCI, os membros do dispute board devem ser pagos mensalmente, e não quando solicitados, além de serem devidos honorários extras por atividade que realizarem, como uma visita na obra, o que difere da arbitragem, por exemplo, onde somente são devidos honorários quando os seus membros são acionados para a resolução do conflito propriamente dito.
Ademais, deve ser considerado como desvantagem à utilização dos dispute boards no Brasil o costume nacional de não cumprimento de decisões que não sejam vinculantes ou definitivas, o que tornaria os dispute boards somente uma etapa prévia e onerosa antes da instituição da arbitragem, desvirtuando o seu objetivo, que é exatamente evitar que se recorra à arbitragem.
Considerando as vantagens e desvantagens listadas, em contratos de infraestrutura de longa duração, para obras complexas e envolvendo valores elevados, os dispute boards devem sim ser avaliados pelas partes e por seus advogados, pois podem permitir a resolução de conflitos durante a execução desses contratos de maneira mais célere e adequada às necessidades do projeto, diminuindo os valores gastos com arbitragens, o que no final poderia compensar o custo de sua aplicação.
Finalmente, ainda que possa haver uma resistência no Brasil à utilização dos dispute boards, é importante que os advogados atuantes na área de infraestrutura conheçam o instituto, pois há uma tendência que os dispute boards sejam cada vez mais utilizados nos projetos de infraestrutura nos quais haja financiamento da obra por instituições de fomento estrangeiras, como o Banco Mundial.