Fonte: O Globo.
Na tentativa de resolver o problema do distrato (desistência por parte do comprador) no setor imobiliário — um dos motivos do agravamento na crise na construção civil — governo federal, empresários, representantes da Justiça e Procons assinam hoje no Rio um acordo que fixa critérios para o reembolso dos valores pagos pelos consumidores. As novas regras terão abrangência nacional. Serão oferecidas ao cliente duas opções para reaver o dinheiro: pagar uma multa de 10% sobre o valor do imóvel até o limite de 90% do valor pago; ou perder o valor do sinal, mais 20% sobre o que foi desembolsado.
Essas duas cláusulas terão que constar, obrigatoriamente, dos novos contratos, a partir de hoje. Os contratos em andamento terão de ser adaptados até o fim deste ano. Caberá ao incorporador (coordenador do empreendimento) optar pela cláusula, de acordo com o modelo de negócio.
No caso de imóveis destinados à baixa renda, enquadrados no programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, deverá ser aplicada a primeira opção, ou seja, multa de 10% sobre o valor do imóvel.
Já nos empreendimentos voltados à classe média alta, com valores mais altos, deverá prevalecer a segunda (perda do sinal e de 20% do que já foi desembolsado), porque o valor da multa pode inviabilizar o seu pagamento e, consequentemente, impedir o fim da disputa. Para se ter uma ideia, numa simulação em que o consumidor deu um sinal de R$ 5 mil e desembolsou cinco parcelas de mil reais, o reembolso seria de R$ 4 mil. Isso sem ter de entrar na Justiça.
COM A CRISE, HOUVE 50 MIL DISTRATOS EM 2015
Atualmente, quem desiste da compra precisa acionar a incorporadora para recuperar o valor investido. E as empresas têm se queixado que as decisões em geral forçam a devolução quase integral dos recursos, entre 75% e 85% — o que dificulta ainda mais a situação financeira das incorporadoras, diante da crise na economia e queda na renda das famílias. Ao se posicionar sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu pela perda do sinal entre 10% e 25% do valor pago pelo consumidor. O acordo se baseia nas decisões superiores.
Segundo dados do setor, 50 mil unidades foram distratadas no ano passado, só entre os grandes incorporadores.
— Em alguns casos, falta dinheiro para concluir a obra, o que pode prejudicar os consumidores que permanecem no empreendimento e continuam pagando as parcelas, mesmo com sacrifício — disse o diretor da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc), Luiz Fernando Moura.
Quem está na Justiça poderá desistir da disputa para fechar acordos dentro das novas regras ou optar por esperar a decisão.
Segundo uma autoridade do governo que participou das elaboração das regras, o acordo procura evitar o “risco sistêmico” na incorporação imobiliária, porque a crise econômica e o desemprego levaram a uma enxurrada de pedidos de distrato. A preocupação maior, disse, é que os distratos gerem insolvência de tal magnitude que prejudique os consumidores que querem continuar com o imóvel.
— O texto final não é o ótimo, mas é o razoável diante do cenário econômico — disse uma fonte do governo, acrescentando que o acordo tem o aval dos Ministérios da Fazenda e da Justiça, do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), além dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
ACORDO PREVÊ MULTA POR ATRASO EM OBRA
Segundo o desembargador da 25ª Câmara do TJ-RJ, Werson Rêgo, um dos idealizados do acordo, as novas regras representam um avanço, no sentido de assegurar maior equilíbrio às relações contratuais. Ele destacou que hoje há muita insegurança jurídica e riscos no setor:
— Está havendo um volume muito alto dos distratos, com risco de quebrar o setor, o que não interessa aos consumidores.
Entre os benefícios para os consumidores, o acordo cria ainda uma espécie de compensação em dinheiro, no caso de atraso na obra — que pela lei pode chegar a 180 dias. A partir de agora, a empresa que atrasar a entrega terá de pagar ao comprador 0,25% sobre o valor do imóvel por mês, já no primeiros 30 dias. Se ultrapassar os 180 dias, o incorporador será obrigado a pagar multa de 2% e juros de 1% ao mês sobre o montante pago pelo cliente.
Além disso, os novos contratos terão de prever regras claras sobre taxas de condomínio, que só poderão ser cobradas a partir do “habite-se”, depois da conclusão da obra. Será ainda fixado um teto de R$ 3 mil, que poderá ser cobrado adicionalmente dos consumidores para ligações definitivas com concessionários de serviços públicos (água e luz). O que ultrapassar terá de ser arcado pelo dono da obra.
Outra novidade diz respeito à taxa de corretagem, que terá de ser informada ao comprador ainda na fase de pré-venda (publicidade). Esta taxa não poderá ser incluída no valor do imóvel e sim, descontada, explicou o desembargador.
O acordo, batizado de “Pacto Global”, será assinado pela Abrainc, Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (Cbic), com a participação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), TJ-RJ, OAB-RJ.