Na iminência de vermos o nosso sistema processual reformulado, com a aprovação do texto de lei que substituirá o atual Código de Processo Civil (PL 8.046/2010), não poderíamos deixar de compartilhar algumas palavras da renomada Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, Relatora-Geral do anteprojeto encaminhado ao Senado Federal, sobre o tema tão atual quanto importante (ousaríamos dizer que se trata da lei infraconstitucional de segunda maior importância em nosso ordenamento jurídico, atrás somente do Código Civil).
Muito atenciosa e gentil, a Professora Teresa graciosamente atendeu o Blog para discorrer sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas, a flexibilização das formas processuais e o sistema de nulidades.
Veja abaixo a entrevista da Professora Teresa Arruda Alvim Wambier:
Civil & Imobiliário: Os magistrados estão obrigados a seguir a jurisprudência ou as decisões proferidas em incidentes de resolução de demandas repetitivas? Ou elas servem apenas como orientação? Sendo um dever do magistrado, a parte que se sentir prejudicada poderá se valer de alguma medida processual?
O que acontece no Brasil é uma deformação dos sistemas de civil Law.
Quando se diz, que nos nossos sistemas, o juiz pode interpretar a lei de acordo com sua convicção pessoal, não se quer dizer que as decisões dos Tribunais superiores podem ser, pura e simplesmente, ignoradas. Claro que elas têm que ser levadas em conta e o juiz, quando decide contra a jurisprudência sedimentada de um Tribunal Superior, tem um ônus argumentativo muito mais pesado. Ele não pode “fingir” que a decisão não existe.
É natural, em outros sistemas semelhantes ao nosso, como por exemplo na Alemanha, que os juízes de primeiro grau e de segundo grau se orientem pela jurisprudência dos órgão superiores. Essa, aliás, é a função e a razão de ser desses tribunais.
No Brasil ocorrem dois fenômenos lamentáveis e curiosos:
1. Ninguém obedece nada espontaneamente. A gente sempre se pergunta: mas tem mesmo que fazer? Se não fizer, o que acontece?
2. A jurisprudência dos Tribunais superiores, principalmente, do STJ, não é nem estável e tampouco uniforme. Ou seja, eles mesmos, os próprios Ministros e Ministras, não respeitam a sua própria jurisprudência. Mudam a todo instante. E há turmas que decidem de um jeito, outras de outro, a mesma questão.
Como mudar isso? Difícil. Lei muda cultura? Pode ser, em alguma medida.
Então foi isso o que se quis fazer com o incidente de julgamento de demandas repetitivas. O juiz de primeiro grau fica sim adstrito a respeitar a decisão do segundo grau sobre a questão de direito sob sua apreciação.
Sim, é claro, cabe recurso. Os juízes julgarão as causas individuais a partir do que se terá decidido no Tribunal quanto à questão que gerou o incidente. Pode ser que nas causas individuais haja mais questões.
Também cabe RExtraordinário e REsp da decisão que julgou o incidente.
Civil & Imobiliário: Em que medida a “flexibilização” das formas contribui para o regular desenvolvimento do processo? E em que medida o exercício do direito à ampla defesa pode ser afetado por esta “flexibilização” almejada pelo Projeto do Novo Código?
Toda e qualquer modificação prevista em tese e operada na prática deve respeitar parâmetros constitucionais. A ideia é que o juiz tenha liberdade de fazer certas alterações no procedimento com vistas a adaptá-lo às peculiaridades da causa. Se processo é instrumento, tem-se que instrumento bem adaptado funciona melhor! Deve-se cortar um bife com faca e não com tesoura…
A possibilidade de o juiz flexibilizar ou de as partes convencionarem alterações procedimentais visando a adaptá-lo às peculiaridades da causa nada mais significa do que, de algum modo, ‘especializar’ o procedimento. A simples flexibilização não significa necessariamente desrespeito a qualquer garantia constitucional. Essa violação pode ocorrer no procedimento comum, ortodoxo, não flexibilizado. Não vejo, portanto, relação de causa e efeito.
Civil & Imobiliário: O sistema de invalidades processuais será afetado pela ideia de simplificação do procedimento?
Sim e não. O que transparece de forma evidente no projeto é a intenção de se salvar o processo. Ou seja, as nulidades continuam as mesmas… Mas… Serão decretadas? O melhor é que não… Então vai-se ver se houve prejuízo, se a finalidade do ato foi cumprida… Etc. Ou seja, o vicio não deixa de existir, de consistir em uma nulidade: pode ser decretada de ofício, não há preclusão para que sejam levantadas, etc. Mas decretá-las deve ser a ultima solução, sendo impossível a desconsideração do vicio ou a sua sanação (conserto) efetiva.
veja o texto do anteprojeto do CPC apresentado ao Senado
veja o texto do CPC aprovado em 19.07.2013