Por Luiz Guilherme Schymura de Oliveira
Já faz algum tempo que o mercado de aluguel de imóveis residenciais vem encontrando dificuldades para estabelecer um índice de preços “apropriado” para o reajuste anual de seus contratos. Os dois índices mais utilizados atualmente são o IGP-M e o IPCA. No entanto, ambos os indicadores, pelos mais diversos motivos, recebem muitas críticas tanto dos locadores como dos locatários das habitações. O que nos leva a seguinte indagação: qual a dificuldade em escolher um índice que reajuste os aluguéis?
Para começar, as partes envolvidas no contrato são, necessariamente, as responsáveis por definir o indexador que reajusta anualmente o valor do aluguel. Afinal, são elas que, ao fim e ao cabo, arcam com as consequências de uma seleção equivocada do índice. No entanto, locadores e locatários têm tido muita dificuldade em consagrar um indexador. Por outro lado, organizações especializadas na criação e computação de indicadores econômicos, como o IBGE, o FGV IBRE, entre outros, procuram disponibilizar um cardápio variado de índices de preços que atendam às mais diversas demandas da sociedade por indexadores. No entanto, em algumas situações a missão não é tão simples. Como parece ser o caso do mercado de aluguéis residenciais.
Diante do imbróglio na definição do indexador nos contratos de aluguel habitacional, surge no cenário o IVAR, índice de variação de aluguéis residenciais do FGV IBRE, que pode ser muito útil e se tornar uma adição relevante ao rol de índices de preços já disponíveis para a sociedade. Como se sabe, a grande dificuldade em se mensurar a inflação dos aluguéis é que os valores anunciados nas ofertas de imóveis para locação usualmente não retratam os preços efetivamente praticados. No caso do IVAR, porém, os preços são captados diretamente de uma base expressiva de contratos de aluguel em vigência. Como explica o pesquisador do FGV IBRE Paulo Picchetti, que liderou os esforços para a criação do IVAR: “não se trata de mais um índice baseado na oferta de preços de aluguel, mas sim efetivamente de um índice dos preços praticados no mercado em contratos de aluguel”.
Dada a sua metodologia, o IVAR tem potencial para desempenhar um papel importante, especificamente, no reajuste dos contratos de aluguel. Nunca é demais enfatizar, no entanto, que é a própria sociedade que deve decidir se isso ocorrerá, e sob que condições. O compromisso dos organismos produtores de estatísticas econômicas é o de fornecer indicadores com excelência técnica, e com total transparência metodológica.
É importante destacar que, além de seu papel setorial, a introdução do IVAR gera também contribuições para a macroeconomia do país. Como destaca Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, uma mensuração mais precisa da evolução dos preços dos aluguéis traz uma melhora considerável na qualidade da aferição dos índices de preço ao consumidor da economia brasileira. Assim, quando o IVAR é considerado e computado nos índices de preços ao consumidor, é possível verificar que a inflação total efetiva nos últimos anos não foi exatamente a registrada nos índices oficiais – e as diferenças são significativas em alguns casos, como indicam os cálculos do pesquisador André Braz, do FGV IBRE, especialista em inflação.
Em 2019, aponta Braz, o IPCA, caso computasse o IVAR como a inflação dos aluguéis, teria fechado o ano em algo como 3,9%. No caso, 0,4 ponto percentual (pp) abaixo do resultado oficial de 4,3%. Já o INPC teria ficado em torno de 4%, 0,5pp abaixo do resultado oficial de 4,5%. Em 2020, o IVAR praticamente não alteraria os números divulgados, e, com isso, IPCA e INPC repetiriam o resultado oficial de, respectivamente, 4,5% e 5,5%. Já em 2021, a estimativa de Braz é de que, com a inclusão do IVAR, tanto o IPCA quanto o INPC ficariam cerca de 0,3pp abaixo de seus respectivos resultados oficiais.
Picchetti frisa que o fato de que a inclusão do IVAR no cálculo do IPCA tenha de forma geral sugerido que o índice oficial de inflação superestimou a alta de preços de 2019 e 2021 não significa que uma aferição mais correta da inflação dos aluguéis sempre provocará efeitos nessa mesma direção. É perfeitamente possível que, em outras conjunturas, o IPCA e o INPC, ao serem comparados com suas versões em que o IVAR é incluído, subestimem a inflação. Não há nada no cálculo do IVAR e na metodologia atual de se computar os aluguéis no IPCA e no INPC que determine que um resultado será sempre superior ou inferior ao outro.
Seja como for, essas diferenças entre a inflação oficial e aquela calculada com a inclusão do IVAR – que computaria a variação do preço dos aluguéis efetivamente ocorrida – são obviamente relevantes para a política monetária e para as transações do mercado financeiro, pois impactam os juros reais e outras variáveis financeiras. Outro aspecto macroeconômico relevante é a política fiscal. Como se sabe, o IPCA corrige o teto constitucional dos gastos públicos e o INPC, além de reajustar o salário mínimo, indexa ou é parâmetro para diversos benefícios sociais e previdenciários.
Por conta da modificação que teriam sofrido o IPCA e o INPC com a inserção do IVAR, um primeiro exercício já foi produzido por Bernardo Motta e Juliana Damasceno. Em artigo publicado no Blog do IBRE, os pesquisadores revisaram os indicadores fiscais e avaliaram que, caso o IVAR fosse incorporado no IPCA e no INPC desde 2019, o impacto no resultado primário seria de uma queda adicional de R$ 2,8 bilhões (-0,04% do PIB) em 2020.
Como se vê, o IVAR, além do seu potencial de aprimorar o mercado de aluguéis no Brasil, pode gerar impacto importante em diversas dimensões da política econômica e do funcionamento dos mercados.
Fonte: Portal FGV