A hipoteca reversa é uma modalidade de direito real de garantia, pela qual uma pessoa, em regra, idosa, grava o seu imóvel em favor do credor com o escopo de receber determinada importância em dinheiro, entregue pelo mutuante de uma só vez ou em parcelas periódicas, valor que somente deverá ser quitado após o falecimento ou alienação do imóvel por parte do mutuário.
Essa espécie de hipoteca é utilizada em outros países, por exemplo, nos Estados Unidos, recebendo a denominação de reverse mortgage, e funciona como um produto econômico oferecido pelas instituições financeiras cujo destinatário é a pessoa idosa, a fim de que esta, com o notório aumento da expectativa de vida, reúna condições de extrair do patrimônio imobiliário, eventualmente granjeado, uma liquidez monetária apta a lhe atribuir melhor qualidade de vida, sem que com isso a pessoa tenha que se desfazer do patrimônio em vida.
Serve como complemento da aposentadoria para o devedor, e para o credor há a vantagem de considerável segurança jurídica com relação à satisfação da recuperação do ativo emprestado por dois motivos:
1) a morte é evento futuro e certo e, com relação aos idosos, estatisticamente, é mais próxima;
2) os bens imóveis são dotados de perenidade, se comparados com os móveis.
Aplicam-se, no caso, todas as características da hipoteca com a peculiaridade de que a satisfação do crédito se dará após o momento da morte do devedor ou mesmo da alienação, voluntária ou forçada, do bem onerado. Com o evento morte, faz-se um acerto de contas da importância que o credor emprestou e o valor do imóvel afetado ao cumprimento da obrigação.
Enquanto a hipoteca clássica, muitas vezes, é feita para facilitar a aquisição de um imóvel para fins de moradia, e, conforme se paga o financiamento, o bem, em proporção ao adimplemento, incorpora-se ao patrimônio livre do adquirente. Nessa modalidade, ainda atípica no Brasil, os recursos entregues ao devedor, se não forem pagos, levarão à perda futura do imóvel, que não atingirá a esfera jurídica do devedor, mas dos seus pretensos herdeiros que, como sabido, possuem sobre a herança apenas a expectativa de direito.
Sendo o ato de constrição oneroso, sequer há que se falar em preservação da legítima dos herdeiros necessários.
Sem lei federal regulamentando, não consideramos possível a efetivação dessa modalidade de hipoteca em razão da insegurança jurídica que desmotiva o empreendimento. Ademais, a especialização é diferente do modelo estabelecido no Código Civil e há dificuldades de ordem registral para a eficácia da garantia, pois, como cediço, a tipicidade norteia tal ramo do direito.
Tratando-se de constrição imobiliária, se a pessoa for casada, indispensável será a outorga uxória, salvo se o regime for o da separação absoluta de bens (art. 1.647, I, CC). Importa ainda esclarecer, nesse passo, a dificuldade que a hipoteca reversa terá para subsistir perante o direito real de habitação que compete ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, que somente pode ser renunciado após a sua efetivação com a morte, conforme prevê o Enunciado 271 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ: “Art. 1.831. O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança”. Com efeito, tal proteção, que encontra fundamento na proteção da entidade familiar e no direito à moradia, é dotada de interesse público, sendo irrenunciável antes de sua efetivação.
Tramita no Congresso Nacional o PLS 52/2018, que acrescenta o Capítulo II-B à Lei 9.514/1997 para dispor sobre a hipoteca reversa de coisa imóvel, de autoria do Senador Paulo Bauer, e que, na realidade, cuida, a nosso ver, de um novo instituto que seria a alienação fiduciária em garantia reversa, não só porque altera a lei de alienação fiduciária de imóvel, mas também porque o art. 33-G da lei projetada prescreve que “a hipoteca reversa regulada por esta lei é o negócio jurídico pelo qual o credor hipotecário reverso, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao devedor hipotecário reverso da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
A instituição financeira torna-se devedora, possuidora indireta e proprietária resolúvel do imóvel e o tomador do empréstimo fica como possuidor direto da coisa até o seu passamento.
O conceito de idoso para fins de aplicação dessa lei é a pessoa com mais de 60 anos de idade. Nos termos do art. 33-I, § 1.º, “para a constituição da hipoteca reversa, o credor hipotecário reverso deve ser pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. A norma projetada apresenta indisfarçável aspecto cogente com relação à idade mínima.
Mantendo a concepção jusfilosófica dessa figura jurídica suprarreferida, o § 2.º do art. 33-I, § 3.º, dispõe que o falecimento do devedor, comprovado por atestado de óbito, configura o termo final para a reposição do empréstimo ou do crédito da hipoteca reversa.
Se o credor falecer até cinco anos da celebração do contrato, o imóvel será entregue aos herdeiros que herdaram também a dívida contraída pelo autor da herança, respondendo, por óbvio, nos limites desta. Passado esse período de tempo, a propriedade consolidar-se-á nas mãos do devedor fiduciante, que fica obrigado, se a dívida não for paga pelos interessados, assegurada a liminar de reintegração de posse, se o imóvel não for entregue amigavelmente pelos herdeiros.
Peca o projeto de lei por não trazer, à moda da alienação fiduciária em garantia de imóvel clássica, determinação para a venda do imóvel de modo público, de maneira que os herdeiros possam fiscalizar a estrita satisfação do crédito com a devolução do que sobejar, a fim de não permitir a configuração de enriquecimento sem causa em desfavor do espólio do verdadeiro devedor.
Se o credor for instituição financeira, o contrato submeter-se-á à incidência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e essa consolidação da propriedade sem prestação de contas ofende a não mais poder princípios e regras desse ramo do direito, sendo digno de destaque que a pessoa idosa pode ser considerada hipervulnerável (art. 39, IV, Lei 8.078/1990). Permanecendo tal equívoco na aprovação da lei, ainda que o idoso já esteja falecido por ocasião da perda peremptória do imóvel, é importante lembrar-se de que o momento jurídico a ser considerado para a análise da validade do negócio é o da contratação. Falta de boa-fé objetiva e de transparência, locupletamento, desequilíbrio contratual em desfavor do vulnerável são alguns pontos que devem ser discutidos perante o Poder Judiciário.
Resolvida essa questão pontual, o instituto pode ser de grande valia para atribuir ao idoso maior independência financeira e, por conseguinte, uma vida com mais qualidade e dignidade.
Fonte: GenJurídico.