A definição do termo final dos lucros cessantes em ações de indenização por atraso de obras de unidade imobiliária parece ser tarefa simples. Em primeira análise, a entrega definitiva de chaves se apresenta como a melhor solução. Ou seja, o dever de indenizar cessa com a efetiva posse do comprador.
Mas o que fazer quando, mesmo depois de pronta e entregue a obra, o comprador não realiza o pagamento do preço?
É certo que a vendedora está contratualmente autorizada a reter as chaves na hipótese de não pagamento integral do preço, seja o pagamento realizado por recursos próprios ou por financiamento bancário. Assim, a condenação ao pagamento de lucros cessantes, se definida até a entrega de chaves, pode representar uma condenação sem perspectivas de fim.
A Terceira Câmara de Direito Privado do TJSP, no julgamento agravo de instrumento 2235787-77.2020.8.26.0000, teve a oportunidade de analisar situação semelhante.
No caso concreto, a obra tinha previsão de entrega para fevereiro de 2011. Entretanto, o habite-se foi expedido somente em dezembro de 2011. Diante do atraso, o comprador ajuizou ação requerendo indenização mensal por lucros cessantes até a entrega das chaves. A sentença deferiu a referida indenização, a qual foi mantida pelo Tribunal, e a decisão final do processo transitou em julgado no final do ano de 2019.
Muito embora a unidade estivesse pronta desde o 2012, o comprador, talvez na expectativa e segurança da sentença favorável, não realizou nenhum movimento para realizar o pagamento do preço do contrato durante todo o período em tramitou a ação.
Com a ausência de pagamento do preço e com o trânsito em julgado da decisão, a construtora efetuou o depósito das chaves em juízo, condicionando o seu levantamento ao pagamento do preço do contrato, com a inclusão dos encargos contratuais pelo atraso no pagamento. Na oportunidade, a construtora comprovou que a unidade estava pronta desde 2012 e que outros compradores receberam as chaves ainda em 2012.
Ante a comprovação de inadimplência do comprador, o TJSP entendeu ser devida a retenção das chaves no período que durou a ação. Ou seja, há uma contradição em se definir o termo final dos lucros cessantes com a entrega das chaves se inadimplente o comprador. Em outras palavras, a mora da construtora termina com a entrega da obra e disponibilidade da unidade, passando, a partir desse momento, a ser de responsabilidade do comprador o pagamento do preço.
Com essa reflexão, foi fixado novo termo final dos lucros cessantes pelo TJSP, que definiu o momento em que a unidade estava apta para realização de pagamento por financiamento bancário como freio da indenização – o que se deu com a baixa da hipoteca bancária ocorrida ainda em 2012. Assim, estando a unidade apta para o pagamento do preço por financiamento bancário, modalidade escolhida pelo comprador, a mora contratual se inverteu e passou ser do comprador.
Cabe destacar o seguinte trecho do julgado:
Impossibilidade de entrega das chaves sem o pagamento do preço do apartamento por expressa previsão contratual. Ausência de ofensa à coisa julgada. A sentença, apesar de alterar o prazo do pagamento da última prestação, nada discorreu acerca da cláusula que exige, para a entrega das chaves, que o adquirente esteja rigorosamente em dia com suas obrigações. Independentemente da discussão sobre eventual excesso cobrado pelas vendedoras, poderiam os adquirentes ter efetuado pagamento da quantia que entendiam devida ou, em caso de recusa, ter requerido a consignação em juízo. Necessidade de quitação do saldo em aberto, que corresponde a quase 80% do preço do imóvel. Para o deslinde da demanda mostra-se necessária a demonstração do momento em que a mora passou a ser de responsabilidade dos adquirentes, o que justifica a determinação de apresentação de documentos que comprovem a data em que as chaves foram entregues ao demais compradores.
Como se vê, a resposta ao questionamento inicial não é tão simples. De fato, não se pode distanciar do fato de que os deveres e obrigações decorrentes da promessa de compra e venda não se suspendem automaticamente com a mera existência de ação judicial, permanecendo, pela construtora, o dever de entregar a unidade e, pelo comprador, o dever de quitação do preço.
Clique aqui para ler o acórdão proferido no processo nº 0061916-65.2019.8.26.0100.
Clique aqui para ler o acórdão proferido no agravo nº 2235787-77.2020.8.26.0000.