Por Luís Roberto Barroso
O estudo que se segue tem por objeto a análise da legitimidade da exibição, independentemente de autorização dos eventuais envolvidos, de programas ou matérias jornalísticas nos quais (i) sejam citados os nomes ou divulgada a imagem de pessoas relacionadas com o evento noticiado ou (ii) sejam relatados e encenados eventos criminais de grande repercussão ocorridos no passado.
Como intuitivamente se constata, está em jogo a disputa, inevitável em um estado democrático de direito, entre a liberdade de expressão e de informação, de um lado, e os denominados direitos da personalidade, de outro lado, em tal categoria compreendidos os direitos à honra, à imagem e à vida privada. Cuida-se de determinar se as pessoas retratadas, seus parentes ou herdeiros, podem impedir a exibição de tais programas ou pretender receber indenizações por terem sido neles referidos.
O equacionamento do problema e a apresentação da solução constitucionalmente adequada dependem da discussão de algumas das teses centrais relacionadas com a nova interpretação constitucional: colisão de direitos fundamentais, ponderação de valores, discricionariedade judicial e teoria da argumentação. Após a exposição dos conceitos essenciais na matéria e definição dos elementos relevantes de ponderação, a questão se torna surpreendentemente simples.
Veja-se a análise que se segue.
Parte I
Alguns aspectos da moderna interpretação constitucional
I. A interpretação jurídica tradicional
Um típico operador jurídico formado na tradição romano-germânica, como é o caso brasileiro, diante de um problema que lhe caiba resolver, adotará uma linha de raciocínio semelhante à que se descreve a seguir. Após examinar a situação de fato que lhe foi trazida, irá identificar no ordenamento positivo a norma que deverá reger aquela hipótese. Em seguida, procederá a um tipo de raciocínio lógico, de natureza silogística, no qual a norma será a premissa maior, os fatos serão a premissa menor e a conclusão será a conseqüência do enquadramento dos fatos à norma. Esse método tradicional de aplicação do direito, pelo qual se realiza a subsunção dos fatos à norma e pronuncia-se uma conclusão, denomina-se método subsuntivo.
Esse modo de raciocínio jurídico utiliza, como premissa de seu desenvolvimento, um tipo de norma jurídica que se identifica como regra. Regras são normas que especificam a conduta a ser seguida por seus destinatários. O papel do intérprete, ao aplicá-las, envolve uma operação relativamente simples de verificação da ocorrência do fato constante do seu relato e de declaração da conseqüência jurídica correspondente. Por exemplo: a aposentadoria compulsória do servidor público se dá aos setenta anos (regra); José, serventuário da Justiça, completou setenta anos (fato); José passará automaticamente para a inatividade (conclusão). A interpretação jurídica tradicional, portanto, tem como principal instrumento de trabalho a figura normativa da regra.
A atividade de interpretação descrita acima utiliza-se de um conjunto tradicional de elementos de interpretação, de longa data identificados como gramatical, histórico, sistemático e teleológico. São eles instrumentos que vão permitir ao intérprete em geral, e ao juiz em particular, a revelação do conteúdo, sentido e alcance da norma. O Direito, a resposta para o problema, já vêm contidos no texto da lei. Interpretar é descobrir essa solução previamente concebida pelo legislador. Mais ainda: o ordenamento traz em si uma solução adequada para a questão. O intérprete, como conseqüência, não faz escolhas próprias, mas revela a que já se contém na norma. O juiz desempenha uma função técnica de conhecimento, e não um papel de criação do direito.
A interpretação jurídica tradicional, portanto, desenvolve-se por um método subsuntivo, fundado em um modelo de regras, que reserva ao intérprete um papel estritamente técnico de revelação do sentido de um Direito integralmente contido na norma legislada.
II. A nova interpretação constitucional
A idéia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição. Não importa em desprezo ou abandono do método clássico – o subsuntivo, fundado na aplicação de regras – nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca de sentido das normas e na solução de casos concretos. Relevante, mas nem sempre suficiente.
Mesmo no quadro da dogmática jurídica tradicional, já haviam sido sistematizados diversos princípios específicos de interpretação constitucional, aptos a superar as limitações da interpretação jurídica convencional, concebida sobretudo em função da legislação infraconstitucional, e mais especialmente do direito civil2. A grande virada na interpretação constitucional se deu a partir da difusão de uma constatação que, além de singela, sequer era original: não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as constitucionais em particular – tragam sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem. E que, assim, caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo pré-existente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização.
De fato, a técnica legislativa, ao longo do século XX, passou a utilizar-se, crescentemente, de cláusulas abertas ou conceitos indeterminados, como dano moral, justa indenização, ordem pública, melhor interesse do menor, boa-fé. Por essa fórmula, o ordenamento jurídico passou a transferir parte da competência decisória do legislador para o intérprete. A lei fornece parâmetros, mas somente à luz do caso concreto, dos elementos subjetivos e objetivos a ele relacionados, tal como apreendidos pelo aplicador do Direito, será possível a determinação da vontade legal. O juiz, portanto, passou a exercer uma função claramente integradora da norma, complementando-a com sua própria valoração.
Na seqüência histórica, sobreveio a ascensão dos princípios, cuja carga axiológica e dimensão ética conquistaram, finalmente, eficácia jurídica e aplicabilidade direta e imediata. Princípios e regras passam a desfrutar do mesmo status de norma jurídica, sem embargo de serem distintos no conteúdo, na estrutura normativa e na aplicação. Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional da subsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer3.
Princípios, por sua vez, expressam valores a serem preservados ou fins públicos a serem realizados. Designam, portanto, “estados ideais”4, sem especificar a conduta a ser seguida. A atividade do intérprete aqui será mais complexa, pois a ele caberá definir a ação a tomar. E mais: em uma ordem democrática, princípios freqüentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: o intérprete irá aferir o peso de cada um, à vista das circunstâncias, fazendo concessões recíprocas. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato5.
Com as mesmas características normativas dos princípios – na verdade, como uma concretização do princípio da dignidade da pessoa humana – colocam-se boa parte dos direitos fundamentais, cuja proteção foi alçada ao centro dos sistemas jurídicos contemporâneos. Princípios e direitos previstos na Constituição entram muitas vezes em linha de colisão, por abrigarem valores contrapostos e igualmente relevantes, como por exemplo: livre iniciativa e proteção do consumidor, direito de propriedade e função social da propriedade, segurança pública e liberdades individuais, direitos da personalidade e liberdade de expressão. O que caracteriza esse tipo de situação jurídica é a ausência de uma solução em tese para o conflito, fornecida abstratamente pelas normas aplicáveis.
Veja-se, então: na aplicação dos princípios, o intérprete irá determinar, in concreto, quais são as condutas aptas a realizá-los adequadamente. Nos casos de colisão de princípios ou de direitos fundamentais, caberá a ele fazer as valorações adequadas, de modo a preservar o máximo de cada um dos valores em conflito, realizando escolhas acerca de qual interesse deverá circunstancialmente prevalecer. Um intérprete que verifica a legitimidade de condutas alternativas, que faz valorações e escolhas, não desempenha apenas uma função de conhecimento. Com maior ou menor intensidade, de acordo com o caso, ele exerce sua discricionariedade. Para que não sejam arbitrárias, suas decisões, mais do que nunca, deverão ser racional e argumentativamente fundamentadas.
A moderna interpretação constitucional diferencia-se da tradicional em razão de alguns fatores: a norma, como relato puramente abstrato, já não desfruta de primazia; o problema, a questão tópica a ser resolvida passa a fornecer elementos para sua solução; o papel do intérprete deixa de ser de pura aplicação da norma preexistente e passa a incluir uma parcela de criação do Direito do caso concreto. E, como técnica de raciocínio e de decisão, a ponderação passa a conviver com a subsunção. Para que se legitimem suas escolhas, o intérprete terá de servir-se dos elementos da teoria da argumentação, para convencer os destinatários do seu trabalho de que produziu a solução constitucionalmente adequada para a questão que lhe foi submetida. Por sua relevância para o estudo, os tópicos seguintes ocupam-se de forma específica dos fenômenos da colisão dos direitos fundamentais e da ponderação como técnica de decisão jurídica.
1. O fenômeno da colisão de direitos fundamentais6
Os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos – hierárquico, temporal e especialização (v. supra, nota 3) – não são aptos, como regra geral, para a solução de colisões entre normas constitucionais, especialmente as que veiculam direitos fundamentais. Tais colisões, todavia, surgem inexoravelmente no direito constitucional contemporâneo, por razões numerosas. Duas delas são destacadas a seguir: (i) a complexidade e o pluralismo das sociedades modernas levam ao abrigo da Constituição valores e interesses diversos, que eventualmente entram em choque; e (ii) sendo os direitos fundamentais expressos, freqüentemente, sob a forma de princípios, sujeitam-se, como já exposto (v. supra), à concorrência com outros princípios e à aplicabilidade no limite do possível, à vista de circunstâncias fáticas e jurídicas.
Como é sabido, por força do princípio da unidade da Constituição inexiste hierarquia jurídica entre normas constitucionais. É certo que alguns autores têm admitido a existência de uma hierarquia axiológica, pela qual determinadas normas influenciariam o sentido e alcance de outras, independentemente de uma superioridade formal. Aqui, todavia, esta questão não se põe. É que os direitos fundamentais entre si não apenas têm o mesmo status jurídico como também ocupam o mesmo patamar axiológico7. No caso brasileiro, desfrutam todos da condição de cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4°, IV).
A circunstância que se acaba de destacar produz algumas conseqüências relevantes no equacionamento das colisões de direitos fundamentais. A primeira delas é intuitiva: se não há entre eles hierarquia de qualquer sorte, não é possível estabelecer uma regra abstrata e permanente de preferência de um sobre o outro. A solução de episódios de conflito deverá ser apurada diante do caso concreto. Em função das particularidades do caso é que se poderão submeter os direitos envolvidos a um processo de ponderação pelo qual, por meio de compressões recíprocas, seja possível chegar a uma solução adequada.
A segunda implicação relevante do reconhecimento de identidade hierárquica entre os direitos fundamentais diz respeito à atuação do Poder Legislativo diante das colisões de direitos dessa natureza. Nem sempre é singela a demarcação do espaço legítimo de atuação da lei na matéria, sem confrontar-se com a Constituição. No particular, há algumas situações diversas a considerar. Há casos em que a Constituição autoriza expressamente a restrição de um direito fundamental8. Aliás, mesmo nas hipóteses em que não há referência direta, a doutrina majoritária admite a atuação do legislador, com base na idéia de que existem limites imanentes aos direitos fundamentais9. Pois bem: em uma ou outra hipótese, ao disciplinar o exercício de determinado direito, a lei poderá estar evitando colisões.
Situação diversa se coloca, porém, quando o legislador procura arbitrar diretamente colisões entre direitos. Como se afirmou acima, uma regra que estabeleça uma preferência abstrata de um direito fundamental sobre outro não será válida por desrespeitar o direito preterido de forma permanente e violar a unidade da Constituição. O legislador, portanto, deverá limitar-se a estabelecer parâmetros gerais, diretrizes a serem consideradas pelo intérprete, sem privá-lo, todavia, do sopesamento dos elementos do caso concreto e do juízo de eqüidade que lhe cabe fazer. Mesmo nas hipóteses em que se admita como legítimo que o legislador formule uma solução específica para o conflito potencial de direitos fundamentais, sua validade em tese não afasta a possibilidade de que se venha a reconhecer sua inadequação em concreto.
Um exemplo, respaldado em diversos precedentes judiciais, ilustrará o argumento. Como é de conhecimento geral, existem inúmeras leis que disciplinam ou restringem a concessão de tutela antecipada ou de medidas cautelares em processos judiciais. A postulação de uma dessas providências, initio litis, desencadeia uma colisão de direitos fundamentais, assim identificada: de um lado, o direito ao devido processo legal – do qual decorreria que somente após o procedimento adequado, com instrução e contraditório, seria possível que uma decisão judicial produzisse efeitos sobre a parte; e, de outro, o direito de acesso ao Judiciário, no qual está implícita a prestação jurisdicional eficaz: deve-se impedir que uma ameaça a direito se converta em uma lesão efetiva. Pois bem: a legislação não apenas estabelece requisitos específicos para esse tipo de tutela (fumus boni iuris e periculum in mora), como impõe, em muitos casos, restrições à sua concessão, em razão do objeto do pedido ou do sujeito em face de quem se faz o requerimento.
Nada obstante, o entendimento que prevalece é o de que a lei não pode impor solução rígida e abstrata para esta colisão, assim como para quaisquer outras. E ainda quando a solução proposta encontre respaldo constitucional e seja em tese válida, isso não impedirá o julgador, diante do caso concreto, de se afastar da fórmula legal se ela produzir uma situação indesejada pela Constituição. Há um interessante julgado do Supremo Tribunal Federal sobre o tema10. Em ação direta de inconstitucionalidade, pleiteava-se a declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 173/90, por afronta ao princípio do acesso à justiça e/ou da inafastabilidade do controle judicial. É que ela vedava a concessão de liminar em mandados de segurança e em ações ordinárias e cautelares decorrentes de um conjunto de dez outras medidas provisórias, bem como proibia a execução das sentenças proferidas em tais ações antes de seu trânsito em julgado.
No julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente o pedido. Vale dizer: considerou constitucional em tese a vedação. Nada obstante, o acórdão fez a ressalva de que tal pronunciamento não impedia o juiz do caso concreto de conceder a liminar, se em relação à situação que lhe competisse julgar não fosse razoável a aplicação da norma proibitiva11. O raciocínio subjacente é o de que uma norma pode ser constitucional em tese e inconstitucional em concreto, à vista das circunstâncias de fato sobre as quais deverá incidir.
Antes de prosseguir, cabe resumir o que foi exposto neste tópico. A colisão de direitos fundamentais é um fenômeno contemporâneo e, salvo indicação expressa da própria Constituição, não é possível arbitrar esse conflito de forma abstrata, permanente e inteiramente dissociada das características do caso concreto. O legislador não está impedido de tentar proceder a esse arbitramento, mas suas decisões estarão sujeitas a um duplo controle de constitucionalidade: o que se processa em tese, tendo em conta apenas os enunciados normativos envolvidos, e, em seguida, a um outro, desenvolvido diante do caso concreto e do resultado que a incidência da norma produz na hipótese. De toda sorte, a ponderação será a técnica empregada pelo aplicador tanto na ausência de parâmetros legislativos de solução como diante deles, para a verificação de sua adequação ao caso. O tópico seguinte, portanto, dedica algumas notas ao tema da ponderação.
2. A técnica da ponderação12
Como registrado acima, durante muito tempo a subsunção foi a única fórmula para compreender a aplicação do direito, a saber: premissa maior – a norma – incidindo sobre a premissa menor – os fatos – e produzindo como conseqüência a aplicação do conteúdo da norma ao caso concreto. Como já se viu, essa espécie de raciocínio continua a ser fundamental para a dinâmica do direito. Mais recentemente, porém, a dogmática jurídica deu-se conta de que a subsunção tem limites, não sendo por si só suficiente para lidar com situações que, em decorrência da expansão dos princípios, são cada vez mais freqüentes. Não é difícil demonstrar e ilustrar o argumento.
Imagine-se uma hipótese em que mais de uma norma possa incidir sobre o mesmo conjunto de fatos – várias premissas maiores, portanto, para apenas uma premissa menor –, como no caso aqui em exame da oposição entre liberdade de imprensa e de expressão, de um lado, e os direitos à honra, à imagem, à intimidade e à vida privada, de outro. Como se constata singelamente, as normas envolvidas tutelam valores distintos e apontam soluções diversas e contraditórias para a questão. Na sua lógica unidirecional (premissa maior – premissa menor), a solução subsuntiva para esse problema somente poderia trabalhar com uma das normas, o que importaria na escolha de uma única premissa maior, descartando-se as demais. Tal fórmula, todavia, não seria constitucionalmente adequada: como já se sublinhou, o princípio da unidade da Constituição não admite que o intérprete simplesmente opte por uma norma e despreze outra também aplicável em tese, como se houvesse hierarquia entre elas. Como conseqüência, a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de lidar com o fato de que a Constituição é um documento dialético – que tutela valores e interesses potencialmente conflitantes – e que princípios nela consagrados entram, freqüentemente, em rota de colisão.
A dificuldade descrita já foi amplamente percebida pela doutrina; é pacífico que casos como esses não são resolvidos por uma subsunção simples. Será preciso um raciocínio de estrutura diversa, mais complexo, capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a regra concreta que vai reger a hipótese a partir de uma síntese dos distintos elementos normativos incidentes sobre aquele conjunto de fatos. De alguma forma, cada um desses elementos deverá ser considerado na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto, de modo que, na solução final, tal qual em um quadro bem pintado, as diferentes cores possam ser percebidas, embora alguma(s) dela(s) venha(m) a se destacar sobre as demais. Esse é, de maneira geral, o objetivo daquilo que se convencionou denominar técnica da ponderação.
A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica13 aplicável a casos difíceis14, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, sobretudo quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas15. A estrutura interna do raciocínio ponderativo ainda não é bem conhecida, embora esteja sempre associada às noções difusas de balanceamento e sopesamento de interesses, bens, valores ou normas. A importância que o tema ganhou no cotidiano da atividade jurisdicional, entretanto, tem levado a doutrina a estudá-lo mais cuidadosamente16. De forma simplificada, é possível descrever a ponderação como um processo em três etapas, relatadas a seguir.
Na primeira etapa, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. Como se viu, a existência dessa espécie de conflito – insuperável pela subsunção – é o ambiente próprio de trabalho da ponderação17. Assinale-se que norma não se confunde com dispositivo: por vezes uma norma será o resultado da conjugação de mais de um dispositivo. Por seu turno, um dispositivo isoladamente considerado pode não conter uma norma ou, ao revés, abrigar mais de uma18. Ainda neste estágio, os diversos fundamentos normativos (isto é: as diversas premissas maiores pertinentes) são agrupados em função da solução que estejam sugerindo: aqueles que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de argumentos. O propósito desse agrupamento é facilitar o trabalho posterior de comparação entre os elementos normativos em jogo.
Na segunda etapa, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Como se sabe, os fatos e as conseqüências práticas da incidência da norma têm assumido importância especial na moderna interpretação constitucional. Embora os princípios e regras tenham, em tese, uma existência autônoma, no mundo abstrato dos enunciados normativos, é no momento em que entram em contato com as situações concretas que seu conteúdo se preencherá de real sentido. Assim, o exame dos fatos e os reflexos sobre eles das normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência.
Até aqui, na verdade, nada foi solucionado e nem sequer há maior novidade. Identificação das normas aplicáveis e compreensão dos fatos relevantes fazem parte de todo e qualquer processo interpretativo, sejam os casos fáceis ou difíceis. É na terceira etapa que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à subsunção. Relembre-se, como já assentado, que os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinados limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade19. Pois bem: nessa fase decisória, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto serão examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos a serem atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas a preponderar no caso. Os parâmetros construídos na primeira etapa deverão ser empregados aqui e adaptados, se necessário, às particularidades do caso concreto.
Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio instrumental da proporcionalidade ou razoabilidade20.
Assentadas as premissas teóricas imprescindíveis, passa-se, a seguir, à segunda parte desse estudo. Nela, o roteiro acima apresentado será aplicado ao conflito específico entre liberdade de informação e expressão e direitos da personalidade. Em primeiro lugar, serão examinadas as normas constitucionais pertinentes e construídos os parâmetros possíveis na matéria. Em seguida, serão investigadas as normas infraconstitucionais que igualmente pretendem repercutir sobre a hipótese, tendo em conta, naturalmente, sua compatibilidade com os termos constitucionais. Em seguida, serão considerados os possíveis fatos relevantes para se apurar, então, a solução dessa modalidade de conflito.
Parte II
A liberdade de informação e expressão e os direitos da personalidade: ponderação de bens e valores constitucionais
III. A questão sob a ótica constitucional
1. Direitos constitucionais da personalidade
O reconhecimento dos direitos da personalidade como direitos autônomos21, de que todo indivíduo é titular22, generalizou-se após a Segunda Guerra Mundial e a doutrina descreve-os hoje como emanações da própria dignidade humana, funcionando como “atributos inerentes e indispensáveis ao ser humano.”23 Duas características dos direitos da personalidade merecem registro. A primeira delas é que tais direitos, atribuídos a todo ser humano24 e reconhecidos pelos textos constitucionais modernos em geral, são oponíveis a toda a coletividade e também ao Estado25. A segunda característica peculiar dos direitos da personalidade consiste em que nem sempre sua violação produz um prejuízo que tenha repercussões econômicas ou patrimoniais26, o que ensejará formas variadas de reparação, como o “direito de resposta”, a divulgação de desmentidos de caráter geral e/ou a indenização pelo dano não-patrimonial (ou moral, como se convencionou denominar).
Uma classificação que se tornou corrente na doutrina é a que separa os direitos da personalidade em dois grupos: (i) direitos à integridade física, englobando o direito à vida, o direito ao próprio corpo e o direito ao cadáver; e (ii) direitos à integridade moral, rubrica na qual se inserem os direitos à honra, à liberdade, à vida privada, à intimidade, à imagem, ao nome e o direito moral do autor, dentre outros. Neste estudo, interessam mais diretamente alguns direitos do segundo grupo, em especial os direitos à vida privada, à intimidade, à honra e à imagem. A Constituição de 1988 abrigou essas idéias, proclamando a centralidade da dignidade da pessoa humana e dedicando dispositivos expressos à tutela da personalidade, dentre os quais é possível destacar os seguintes:
“Art. 5º (…)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
De forma simples, os direitos à intimidade e à vida privada protegem as pessoas na sua individualidade e resguardam o direito de estar só27. A intimidade e a vida privada são esferas diversas28 compreendidas em um conceito mais amplo: o de direito de privacidade. Dele decorre o reconhecimento da existência, na vida das pessoas, de espaços que devem ser preservados da curiosidade alheia, por envolverem o modo de ser de cada um, as suas particularidades. Aí estão incluídos os fatos ordinários, ocorridos geralmente no âmbito do domicílio ou em locais reservados, como hábitos, atitudes, comentários, escolhas pessoais, vida familiar, relações afetivas. Como regra geral, não haverá interesse público em ter acesso a esse tipo de informação.
Ainda no campo do direito de privacidade, a doutrina e a jurisprudência costumam identificar um elemento decisivo na determinação da intensidade de sua proteção: o grau de exposição pública da pessoa, em razão de seu cargo ou atividade, ou até mesmo de alguma circunstância eventual. A privacidade de indivíduos de vida pública – políticos, atletas, artistas – sujeita-se a parâmetro de aferição menos rígido do que os de vida estritamente privada. Isso decorre, naturalmente, da necessidade de auto-exposição, de promoção pessoal ou do interesse público na transparência de determinadas condutas. Por vezes, a notoriedade advém de uma fatalidade ou de uma circunstância negativa, como estar envolvido em um acidente ou ter cometido um crime. Remarque-se bem: o direito de privacidade existe em relação a todas as pessoas e deve ser protegido. Mas o âmbito do que se deve interditar à curiosidade do público é menor no caso das pessoas públicas29.
Também se entende que não há ofensa à privacidade – isto é, quer à intimidade, quer à vida privada – se o fato divulgado, sobretudo por meios de comunicação de massa, já ingressou no domínio público, pode ser conhecido por outra forma regular de obtenção de informação ou se a divulgação limita-se a reproduzir informação antes difundida30. Nesse caso, não se cogita de lesão à privacidade nem tampouco ao direito de imagem (v. supra). Confira-se, nesse sentido, a seguinte ementa de acórdão, relatado pelo Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, no qual se discutia se peça teatral que retratava a vida de determinados personagens históricos (Olga Benário e Luiz Carlos Prestes) violava sua intimidade:
“Verificada a inexistência de ofensa à honra, tampouco se reconhece violação da privacidade, uma vez que os fatos mostrados são do conhecimento geral, ou pelo menos acessíveis a todos os interessados, por outros meios não excepcionais, como a leitura de livro para cuja redação ministrara informações o próprio titular do direito que se alega lesado.”31
A honra é igualmente um direito da personalidade previsto constitucionalmente. Por ele se procura proteger a dignidade pessoal do indivíduo, sua reputação diante de si próprio e do meio social no qual está inserido32. De forma geral, a legislação, a doutrina e a jurisprudência estabelecem que o direito à honra é limitado pela circunstância de ser verdadeiro o fato imputado ao indivíduo33; nessa hipótese, não se poderia opor a honra pessoal à verdade. Excepcionalmente, porém, a doutrina admite (e a legislação de alguns países autoriza34) que se impeça a divulgação de fatos verdadeiros mas detratores da honra individual: é o que se denomina de “segredo da desonra”35. Os fatos que comportam essa exceção envolvem, de forma geral, circunstâncias de caráter puramente privado, sem repercussão sobre o meio social, de tal modo que de forma muito evidente não exista qualquer interesse público na sua divulgação36.
Para os fins relevantes ao presente estudo, é importante registrar que o conflito potencial entre a proteção à honra dos acusados e a divulgação de fatos criminosos ou de procedimentos criminais (no momento de sua apuração ou posteriormente) tem sido examinado com freqüência pela doutrina e jurisprudência. E, a propósito, existe amplo consenso no sentido de que há interesse público na divulgação de tais fatos, sendo inoponível a ela o direito do acusado à honra37. Vejam-se alguns dos elementos que conduzem a essa conclusão: (i) a circunstância de os fatos criminosos divulgados serem verdadeiros e a informação acerca deles haver sido obtida licitamente (mesmo porque o processo é um procedimento público) afasta por si só a alegação de ofensa à honra; (ii) não se aplica a exceção do “segredo da desonra” porque fatos criminosos, por sua própria natureza, repercutem sobre terceiros (na verdade, sobre toda a sociedade), e tanto não dizem respeito exclusivamente à esfera íntima da pessoa que são considerados criminosos; (iii) ademais, há o interesse público específico na prevenção geral própria do Direito Penal, isto é, a divulgação de que a lei penal está sendo aplicada tem a função de servir de desestímulo aos potenciais infratores38.
É oportuno, neste passo, fazer um breve registro sobre o famoso e controvertido caso Lebach, julgado em 1973 pelo Tribunal Constitucional Federal alemão. Em linhas gerais, tratava-se de decidir se um canal de televisão poderia exibir documentário sobre um homicídio que havia abalado a opinião pública alemã alguns anos antes, conhecido como “o assassinato de soldados de Lebach”. A questão foi suscitada por um dos condenados, então em fase final de cumprimento de pena, sob o fundamento de que a veiculação do programa atingiria a sua honra e, sobretudo, configuraria sério obstáculo ao seu processo de ressocialização. A primeira instância e o tribunal revisor negaram o pedido de liminar formulado pelo autor, que pretendia obstar a exibição. O fundamento adotado foi o de que o envolvimento no fato delituoso o tornara um personagem da história alemã recente, o que conferia à divulgação do episódio interesse público inegável, prevalente inclusive sobre a legítima pretensão de ressocialização.
Diante disso, o autor interpôs recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde) perante o Tribunal Constitucional, alegando, em síntese, violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, que abrigaria em seu conteúdo o direito à reinserção social. Após proceder à oitiva de representantes do canal de televisão interessado, da comunidade editorial alemã, de especialistas nos diversos ramos do conhecimento pertinentes, do Governo Federal e do Estado da Federação onde o condenado haveria de se reintegrar, o Tribunal reformou o entendimento dos juízos anteriores, concedendo a liminar para impedir a veiculação do programa, caso houvesse menção expressa ao interessado.
A decisão é controvertida na própria Alemanha e dificilmente seria compatível, em tese, com as opções veiculadas pelo poder constituinte originário de 1988. Também do ponto de vista dos traços do caso concreto, que acabaram por determinar a decisão do Tribunal Constitucional, o caso Lebach não serve de paradigma para este tipo de conflito, dadas as grandes especificidades que o cercaram, sobretudo a coincidência temporal entre a iniciativa de exibição do documentário e a soltura de um dos apenados. De parte isto, o temor ao precedente da interdição prévia à veiculação de fatos ou programas não assombra o imaginário político alemão com a intensidade que ocorre no Brasil.
O direito à imagem protege a representação física do corpo humano ou de qualquer de suas partes, ou ainda de traços característicos da pessoa pelos quais ela possa ser reconhecida39. A reprodução da imagem depende, em regra, de autorização do titular. Nesse sentido, a imagem é objeto de um direito autônomo, embora sua violação venha associada, com freqüência, à de outros direitos da personalidade, sobretudo a honra. Note-se, porém, que a circunstância de já ser público o fato divulgado juntamente com a imagem afasta a alegação de ofensa à honra ou à intimidade, mas não interfere com o direito de imagem, que será violado a cada vez que ocorrerem novas divulgações da mesma reprodução40. A doutrina e a jurisprudência, tanto no Brasil como no exterior, registram alguns limites ao direito de imagem41. Atos judiciais, inclusive julgamentos, são públicos via de regra (art. 93, IX da Constituição Federal42), o que afasta a alegação de lesão à imagem captada nessas circunstâncias. Igualmente, a difusão de conhecimento histórico, científico e da informação jornalística constituem limites a esse direito43.
Com as notas acima procurou-se delinear os traços gerais dos direitos da personalidade mais relevantes para a hipótese de conflito em exame. A seguir, será feito um estudo semelhante acerca das liberdades de expressão e de informação, bem como da chamada liberdade de imprensa.
2. Liberdades constitucionais de informação e de expressão e a liberdade de imprensa.
A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e de expressão44, registrando que a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos45 e ao direito difuso de ser deles informado; a liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar idéias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano. Sem embargo, é de reconhecimento geral que a comunicação de fatos nunca é uma atividade completamente neutra: até mesmo na seleção dos fatos a serem divulgados há uma interferência do componente pessoal46. Da mesma forma, a expressão artística muitas vezes tem por base acontecimentos reais. Talvez por isso o direito norte-americano47, o Convênio Europeu de Direitos Humanos (art. 10.1) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 1948) tratem as duas liberdades de forma conjunta.
É fora de dúvida que a liberdade de informação se insere na liberdade de expressão em sentido amplo49, mas a distinção parece útil por conta de um inegável interesse prático, relacionado com os diferentes requisitos exigíveis de cada uma das modalidades e suas possíveis limitações. A informação não pode prescindir da verdade – ainda que uma verdade subjetiva e apenas possível (o ponto será desenvolvido adiante) – pela circunstância de que é isso que as pessoas legitimamente supõem estar conhecendo ao buscá-la. Decerto, não se cogita desse requisito quando se cuida de manifestações da liberdade de expressão50. De qualquer forma, a distinção deve pautar-se por um critério de prevalência: haverá exercício do direito de informação quando a finalidade da manifestação for a comunicação de fatos noticiáveis, cuja caracterização vai repousar sobretudo no critério da sua veracidade51.
Além das expressões liberdade de informação e de expressão, há ainda uma terceira locução que se tornou tradicional no estudo do tema e que igualmente tem assento constitucional: a liberdade de imprensa. A expressão designa a liberdade reconhecida (na verdade, conquistada ao longo do tempo) aos meios de comunicação em geral (não apenas impressos, como o termo poderia sugerir) de comunicarem fatos e idéias, envolvendo, desse modo, tanto a liberdade de informação como a de expressão.
Se de um lado, portanto, as liberdades de informação e expressão manifestam um caráter individual, e nesse sentido funcionam como meios para o desenvolvimento da personalidade, essas mesmas liberdades atendem ao inegável interesse público da livre circulação de idéias, corolário e base de funcionamento do regime democrático, tendo portanto uma dimensão eminentemente coletiva52, sobretudo quando se esteja diante de um meio de comunicação social ou de massa. A divulgação de fatos relacionados com a atuação do Poder Público ganha ainda importância especial em um regime republicano, no qual os agentes públicos praticam atos em nome do povo e a ele devem satisfações. A publicidade dos atos dos agentes públicos, que atuam por delegação do povo, é a única forma de controlá-los.
Na verdade, tanto em sua manifestação individual, como especialmente na coletiva, entende-se que as liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras liberdades53, o que justifica uma posição de preferência – preferred position – em relação aos direitos fundamentais individualmente considerados. Tal posição, consagrada originariamente pela Suprema Corte americana, tem sido reconhecida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol54 e pela do Tribunal Constitucional Federal alemão55. Dela deve resultar a absoluta excepcionalidade da proibição prévia de publicações, reservando-se essa medida aos raros casos em que não seja possível a composição posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade56. A opção pela composição posterior tem a inegável vantagem de não sacrificar totalmente nenhum dos valores envolvidos, realizando a idéia de ponderação57.
A Constituição de 1988 traz diversas normas sobre o tema das liberdades de informação, de expressão e de imprensa. Sobre as duas primeiras, de forma geral, podem ser destacados os seguintes dispositivos:
“Art. 5º. (…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(…)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;
(…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(…)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
Para tratar dos meios de comunicação social e da liberdade de imprensa, a Constituição empregou artigo próprio, que confere àqueles tratamento privilegiado, nos seguintes termos:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”58
Como se observa das transcrições, a chamada liberdade de imprensa (na verdade, dos meios de comunicação) recebeu um tratamento específico no art. 220. Há quem sustente, aliás, que o § 1º do artigo, ao afirmar que “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço…”, restringe a ponderação ao julgamento dos casos concretos, afastando a possibilidade de o legislador a realizar em abstrato59. Segundo seus defensores, a tese não importaria a negação da existência de limites imanentes60, mas tão-somente afirmaria que a parte inicial do parágrafo proíbe a restrição legislativa, delegando essa tarefa integralmente ao órgão judiciário encarregado da apreciação dos conflitos concretos individualizados. Ao exercer essa função, o órgão jurisdicional estaria – ele sim – adstrito às hipóteses de limitação enumeradas na parte final do dispositivo (incisos IV, V, X, XIII e XIV do art. 5º da própria Constituição)61.
Independentemente da tese que se acaba de registrar, é evidente que tanto a liberdade de informação, como a de expressão, e bem assim a liberdade de imprensa, não são direitos absolutos, encontrando limites na própria Constituição. É possível lembrar dos próprios direitos da personalidade já referidos, como a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem (arts. 5º, X e 220, § 1º), a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XIII), a proteção da infância e da adolescência (art. 21, XVI62); no caso específico de rádio, televisão e outros meios eletrônicos de comunicação social, o art. 221 traz uma lista de princípios que devem orientar sua programação.
Além desses limites explícitos na Constituição, há outros que podem ser, com facilidade, considerados imanentes. Em relação à liberdade de informação, já se destacou que a divulgação de fatos reais, ainda quando desagradáveis ou mesmo penosos para determinado(s) indivíduo(s)63, é o que a caracteriza. Da circunstância de destinar-se a dar ciência da realidade, decorre a exigência da verdade – um requisito interno, mais do que um limite64 –, já que só se estará diante de informação, digna de proteção nesses termos, quando ele estiver presente65. Lembre-se, porém, que a verdade aqui não corresponde, nem poderia corresponder, a um conceito absoluto.
De fato, no mundo atual, no qual se exige que a informação circule cada vez mais rapidamente, seria impossível pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia66. Em muitos casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liberdade de informação, sobretudo de informação jornalística, marcada por juízos de verossimilhança e probabilidade. Assim, o requisito da verdade deve ser compreendido do ponto de vista subjetivo, equiparando-se à diligência do informado67, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos68.
Fala-se ainda de um limite genérico às liberdades de informação e de expressão que consistiria no interesse público69. É preciso, no entanto, certo cuidado com essa espécie de cláusula genérica que, historicamente, tem sido empregada, com grande dissimulação, para a prática de variadas formas de arbítrio no cerceamento das liberdades individuais, na imposição de censura e de discursos oficiais de matizes variados. Mesmo porque, vale lembrar que o pleno exercício das liberdades de informação e de expressão constitui um interesse público em si mesmo, a despeito dos eventuais conteúdos que veiculem. O tema vale uma nota específica.
Quando se faz referência à necessidade de se atender ao requisito do interesse público no exercício da liberdade de informação e de expressão, na verdade se está cuidando do conteúdo veiculado pelo agente. Isto é: procura-se fazer um juízo de valor sobre o interesse na divulgação de determinada informação ou de determinada opinião. Ocorre, porém, que há um interesse público da maior relevância no próprio instrumento em si, isto é, na própria liberdade, independentemente de qualquer conteúdo. Não custa lembrar que é sobre essa liberdade que repousa o conhecimento dos cidadãos acerca do que ocorre à sua volta70; é sobre essa liberdade, ao menos em Estados plurais, que se deve construir a confiança nas instituições e na democracia. O Estado que censura o programa televisivo de má qualidade pode, com o mesmo instrumental, censurar matérias jornalísticas “inconvenientes”71, sem que o público exerça qualquer controle sobre o filtro que lhe é imposto.
A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o interesse público na divulgação de informações – reiterando-se a ressalva sobre o conceito já pressupor a satisfação do requisito da verdade subjetiva – é presumido. A superação dessa presunção, por algum outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer, legitimamente, nas situações-limite, excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema. Como regra geral, não se admitirá a limitação de liberdade de expressão e de informação, tendo-se em conta a já mencionada preferred position de que essas garantias gozam.
Um último aspecto do conflito potencial entre as liberdades de informação e de expressão e seus limites envolve não as normas em oposição, mas as modalidades disponíveis de restrição, mais ou menos intensas, de tais liberdades. Como referido inicialmente, a ponderação deverá decidir não apenas qual bem constitucional deve preponderar no caso concreto, mas também em que medida ou intensidade ele deve preponderar. A restrição mais radical, sempre excepcional e não prevista explicitamente pelo constituinte em nenhum ponto do texto de 1988, é a proibição prévia da publicação ou divulgação do fato ou da opinião. Essa é uma modalidade de restrição que elimina a liberdade de informação e/ou de expressão. Em seguida, a própria Constituição admite a existência de crimes de opinião (art. 53, a contrario sensu), bem como a responsabilização civil por danos materiais ou morais (art. 5º, V e X), ou seja: o exercício abusivo das liberdades de informação e de expressão poderá ocasionar a responsabilização civil ou mesmo criminal. Por fim, a Constituição previu ainda o direito de resposta (art. 5º, V) como mecanismo de sanção.
3. Parâmetros constitucionais para a ponderação na hipótese de colisão
A partir das notas teóricas estabelecidas no tópico anterior, é possível desenvolver um conjunto de parâmetros que se destinam a mapear o caminho a ser percorrido pelo intérprete, diante do caso concreto. São elementos que devem ser considerados na ponderação entre a liberdade de expressão e informação (especialmente esta última, pois é a que mais diretamente interessa ao estudo), de um lado, e os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, de outro. Os parâmetros apurados até aqui seguem enunciados abaixo.
A) A veracidade do fato
A informação que goza de proteção constitucional é a informação verdadeira. A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento do direito da personalidade de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata de uma verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de quem a divulga. Para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão da falsidade.
B) Licitude do meio empregado na obtenção da informação
O conhecimento acerca do fato que se pretende divulgar tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo direito. A Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em juízo, de provas obtidas por meios ilícitos, também interdita a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante cometimento de um crime. Se a fonte da notícia fez, e.g., uma interceptação telefônica clandestina, invadiu domicílio, violou o segredo de justiça em um processo de família ou obteve uma informação mediante tortura ou grave ameaça, sua divulgação não será legítima. Note-se ainda que a circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser obtida por meios regulares e lícitos torna-a pública e, portanto, presume-se que a divulgação desse tipo de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos envolvidos72.
C) Personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia
As pessoas que ocupam cargos públicos têm o seu direito de privacidade tutelado em intensidade mais branda. O controle do poder governamental e a prevenção contra a censura ampliam o grau legítimo de ingerência na esfera pessoal da conduta dos agentes públicos. O mesmo vale para as pessoas notórias, como artistas, atletas, modelos e pessoas do mundo do entretenimento. Evidentemente, menor proteção não significa supressão do direito. Já as pessoas que não têm vida pública ou notoriedade desfrutam de uma tutela mais ampla de sua privacidade73.
D) Local do fato
Os fatos ocorridos em local reservado têm proteção mais ampla do que os acontecidos em locais públicos. Eventos ocorridos no interior do domicílio de uma pessoa, como regra, não são passíveis de divulgação contra a vontade dos envolvidos. Mas se ocorrerem na rua, em praça pública ou mesmo em lugar de acesso ao público, como um restaurante ou o saguão de um hotel, em princípios serão fatos noticiáveis.
E) Natureza do fato
Há fatos que são notícia, independentemente dos personagens envolvidos. Acontecimentos da natureza (tremor de terra, enchente), acidentes (automobilístico, incêndio, desabamento), assim como crimes em geral74, são passíveis de divulgação por seu evidente interesse jornalístico, ainda quando exponham a intimidade, a honra ou a imagem de pessoas neles envolvidos.
F) Existência de interesse público na divulgação em tese
O interesse público na divulgação de qualquer fato verdadeiro se presume, como regra geral. A sociedade moderna gravita em torno da notícia, da informação, do conhecimento e de idéias. Sua livre circulação, portanto, é da essência do sistema democrático e do modelo de sociedade aberta e pluralista que se pretende preservar e ampliar. Caberá ao interessado na não divulgação demonstrar que, em determinada hipótese, existe um interesse privado excepcional que sobrepuja o interesse público residente na própria liberdade de expressão e de informação75.
G) Existência de interesse público na divulgação de fatos relacionados com a atuação de órgãos públicos
Em um regime republicano, a regra é que toda a atuação do Poder Público, em qualquer de suas esferas, seja pública, o que inclui naturalmente a prestação jurisdicional. A publicidade, como é corrente, é o mecanismo pelo qual será possível ao povo controlar a atuação dos agentes que afinal praticam atos em seu nome. O art. 5º, XXXIII, como referido, assegura como direito de todos o acesso a informações produzidas no âmbito de órgãos públicos, salvo se o sigilo for indispensável à segurança da sociedade e do Estado.
H) Preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação
O uso abusivo da liberdade de expressão e de informação pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta e a responsabilização, civil ou penal e a interdição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o caso. Já nos casos de violação da privacidade (intimidade ou vida privada), a simples divulgação poderá causar o mal de um modo irreparável. Veja-se a diferença. No caso de violação à honra: se a imputação de um crime a uma pessoa se revelar falsa, o desmentido cabal minimizará a sua conseqüência. Mas no caso da intimidade, se se divulgar que o casal se separou por disfunção sexual de um dos cônjuges – hipótese que em princípio envolve fato que não poderia ser tornado público – não há reparação capaz de desfazer efetivamente o mal causado.
IV. a questão sob a ótica infraconstitucional. parâmetros criados pelo legislador para a ponderação na hipótese de colisão
Encerrado o exame da questão sob a ótica constitucional, cabe agora verificar se há normas infraconstitucionais que postulam aplicação ao caso. A resposta é afirmativa. Como se sabe, e a grande quantidade de obras publicadas sobre o assunto dá conta76, a colisão ou a aparente colisão entre as liberdades de informação e de expressão e os direitos à honra, à intimidade e à imagem são relativamente freqüentes, a maior parte das vezes envolvendo os meios de comunicação. Não é de surpreender, portanto, que o legislador fosse atraído pela idéia de criar soluções gerais para o tema. Relembre-se, no entanto, como já assinalado, que uma lei que pretenda arbitrar uma colisão de direitos fundamentais de forma rígida e abstrata enfrentará dois óbices principais e interligados – a unidade da Constituição e a ausência de hierarquia entre os direitos –, que levam à mesma conseqüência: a ausência de fundamento de validade para a preferência atribuída a um direito em detrimento de outro em caráter geral e permanente.
Em particular, no que diz respeito à liberdade de informação reconhecida aos meios de comunicação, o espaço reservado ao legislador sofre ainda a restrição categórica do § 1º do art. 220 de que “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística (…) observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Como consignado anteriormente, há quem defenda a tese de que a disposição transcrita simplesmente proíbe a atuação do legislador na matéria (v. supra). Mesmo que assim não se entenda, é certo, no entanto, que os limites impostos à lei no que diz respeito à disciplina da colisão de direitos fundamentais em geral aplica-se à colisão dos direitos em questão.
Pois bem. Duas normas existentes hoje no ordenamento procuram arbitrar a colisão entre as liberdades de informação e expressão e os direitos à honra, à intimidade e à imagem: o art. 21 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 09.02.67) e o art. 20 do novo Código Civil. Cabe agora examinar seu sentido e alcance, bem como sua compatibilidade com o exposto sobre os parâmetros constitucionais que devem orientar a solução dessa espécie de colisão.
1. Interpretação constitucionalmente adequada do art. 21, § 2º da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967)
A Lei nº 5.250/1967, conhecida como Lei de Imprensa, dedica uma seção inteira (arts. 12 a 28) ao tratamento “Dos Abusos no Exercício da Liberdade de Manifestação do Pensamento e Informação”. Não é preciso tecer maiores comentários sobre as circunstâncias históricas em que a norma foi editada – em plena ditadura militar –, mesmo porque a própria leitura do texto já revela sua inspiração. Apenas como exemplo, vale registrar que seu art. 16 considera crime, sujeito a detenção por até 6 meses, publicar “fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: I – perturbação da ordem pública ou alarma social; II – desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; III – prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; IV – sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro”. O art. 17, por sua vez, considera abusiva a manifestação de pensamento e de informação que ofenda a moral pública e os bons costumes, sujeitando o infrator a pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários-mínimos da região.
Pois bem. No rol de condutas abusivas foi incluído o art. 21, que tem a seguinte redação:
“Art. 21 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena: Detenção de 3 (três) a 18 (dezoito) meses, e multa de 2 (dois) a 10 (dez) salários-mínimos da região.
§ 1º À exceção da verdade somente se admite:
a) se o crime é cometido contra funcionário público, em razão das funções ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública;
b) se o ofendido permite a prova.
§ 2º Constitui crime de difamação a publicação ou transmissão, salvo se motivada por interesse público, de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele.”
O exame da norma transcrita suscita dois problemas de ordem constitucional, um geral, relacionado com o caput, e um específico, envolvendo o § 2º. De acordo com o caput do artigo transcrito, constituiria crime de difamação (salvo nos casos em que se admite a exceção da verdade) imputar fato verdadeiro a alguém, caso tal fato seja ofensivo à reputação do indivíduo. Alguns exemplos ajudam na compreensão da dificuldade que a aplicação do dispositivo acarreta: jornalista que denunciasse fatos verdadeiros, obtidos licitamente, mas ofensivos, e.g., à reputação de candidatos a algum cargo público, cometeria crime de difamação77; o mesmo ocorrendo com a divulgação por um repórter de práticas antiéticas de empresários ou desportistas.
A espécie de restrição contida no caput, como se vê, é de difícil compatibilização com um Estado plural e democrático – já que só admitiria a divulgação de fatos que promovessem a louvação dos indivíduos78 –, por interferirem com as liberdades de imprensa, de crítica em geral e de investigação jornalística, especialmente protegidas pela Constituição de 1988. Ainda quando se pudesse admitir a validade desse dispositivo, ele só poderia ser aplicado quando se detectasse apenas o dolo de difamar, estando totalmente ausente o interesse público. Certo é, todavia, que o interesse público sempre se presume na divulgação de um fato verdadeiro.
Esta é, igualmente, a questão em jogo com relação ao § 2º do mesmo artigo, ao pretender tipificar a publicação ou transmissão de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele. Aqui, a excludente representada pelo interesse público vem expressamente consignada. A esse propósito, impõem-se duas observações. A primeira é a de que, conforme já sublinhado, a Constituição de 1988 consagra as liberdades de informação e de expressão (aqui especificamente de informação) como valiosas em si mesmas, independentemente do conteúdo que veiculem, por serem garantias essenciais para a manutenção do status de liberdade, da democracia e do pluralismo.
A segunda é a de que nessa hipótese – a do § 2º do art. 21 da Lei n° 5.250/67 –, a divulgação se refere a fatos verdadeiros, assim reconhecidos pelos órgãos judiciais competentes. E mais: o conhecimento sobre eles pode ser obtido por via lícita, já que as informações constam de registros públicos. Portanto, à vista de todos esses elementos – papel da liberdade de expressão, verdade dos fatos e licitude dos meios –, o interesse público na divulgação se presume. De modo que a cláusula excludente constante do dispositivo constitui a regra, sendo que a presunção de legitimidade da divulgação somente cederá em hipóteses muito excepcionais, devidamente comprovadas, aptas a afastar o interesse público. Leitura diversa levaria à não recepção do dispositivo pela ordem constitucional de 1988.
Em suma: tanto no caso do caput do art. 21 como no do seu § 2°, a presença do interesse público na divulgação de fatos noticiáveis excluirá o crime. Tal interesse é presumido, só podendo ser afastado mediante demonstração expressa de sua ausência e do dolo de difamar.
2. Interpretação constitucionalmente adequada do art. 20 do novo Código Civil.
O novo Código Civil abriu um capítulo especial para tratar dos direitos da personalidade (arts. 11 a 21) e, ao fazê-lo, procurou prescrever uma fórmula capaz de solucionar os possíveis conflitos entre esses direitos e as liberdades de informação e de expressão. Esta a origem do art. 20, que tem a seguinte dicção:
“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”
A interpretação mais evidente do dispositivo produz a seguinte conclusão: pode ser proibida, a requerimento do interessado, a utilização da imagem de alguém ou a divulgação de fatos sobre a pessoa, em circunstâncias capazes de lhe atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, inclusive para fins jornalísticos (já que a norma não distingue). As exceções ao preceito são: (i) a autorização da pessoa envolvida ou a circunstância de a exibição ser necessária para (ii) a administração da justiça ou (iii) a manutenção da ordem pública. Ou seja: pode ser proibido tudo o que não tenha sido autorizado e não seja necessário à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Na sua leitura mais óbvia, a norma não resiste a um sopro de bom direito. Impõem-se, assim, algumas observações.
Em primeiro lugar, o dispositivo transcrito emprega dois estranhos conceitos – administração da justiça e manutenção da ordem pública –, que não constam do texto constitucional e são amplamente imprecisos e difusos. Que espécie de informação ou imagem de uma pessoa poderia ser necessária à administração da justiça? Fatos relacionados a condutas ilícitas, na esfera cível e criminal, talvez. E quanto à manutenção da ordem pública? Trata-se de conceito ainda mais indefinido. A divulgação de fotos de criminosos procurados pela polícia poderia enquadrar-se nesse parâmetro, e talvez até mesmo na idéia de administração da justiça. De toda sorte, a fragilidade constitucional desses conceitos pode ser facilmente percebida mediante um exercício simples: o teste de sua incidência sobre diversas hipóteses é capaz de produzir resultados inteiramente incompatíveis com a Constituição.
Suponha-se que uma alta autoridade da República seja atingida por um ovo arremessado por um manifestante e reaja com um insulto preconceituoso. A divulgação do episódio certamente traz uma exposição negativa de sua imagem. O evento, por sua vez, nada tem a ver com a administração da justiça ou com a manutenção da ordem pública. Pergunta-se: é compatível com a Constituição impedir a divulgação desse fato? Parece evidente que não. Imagine-se, agora, que um jornalista apure que determinado governador de Estado era, até pouco antes da posse, sócio em uma empresa de fachada, acusada de lavagem de dinheiro. Tampouco aqui pareceria legítimo proibir a divulgação da notícia, independentemente de prévia autorização ou de qualquer repercussão sobre a administração da justiça ou a ordem pública. Considere-se um exemplo inverso. Um servidor público é suspeito da prática de ato de improbidade. A autoridade que conduz a investigação decide publicar uma foto do investigado na imprensa, solicitando a todos os que tenham alguma informação relevante para incriminá-lo que se dirijam a determinada repartição. A providência poderia até ser útil para a administração da justiça, mas tal conduta certamente não se afigura legítima à luz da Constituição.
Como se vê, os critérios empregados pelo Código Civil não encontram qualquer amparo constitucional e, na prática, acabam por corresponder à velha cláusula do interesse público, que já serviu a tantos regimes arbitrários. É interessante notar, aliás, que embora o novo Código conte pouco mais de um ano de existência, esse dispositivo foi concebido entre o fim da década de 60 e o início da década de 70, pois já constava do Anteprojeto de Código Civil de 197279. O ambiente no qual nasceu provavelmente explica a inadequação da filosofia a ele subjacente bem como dos conceitos utilizados.
Na verdade, ainda há pouquíssimo material doutrinário produzido sobre o referido art. 20, o que não impediu Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho de condenar o dispositivo como inconstitucional, nos seguintes termos:
“O artigo 20 do novo Código Civil, que representa uma ponderação de interesses por parte do legislador, é desarrazoado, porque valora bens constitucionais de modo contrário aos valores subjacentes à Constituição. A opção do legislador, tomada de modo apriorístico e desconsiderando o bem constitucional da liberdade de informação, pode e deve ser afastada pela interpretação constitucional.”80
De fato, as leituras mais evidentes do art. 20 do novo Código o levam a um confronto direto com a Constituição: as liberdades de expressão e de informação são por ele esvaziadas; consagra-se uma inválida precedência abstrata de outros direitos fundamentais sobre as liberdades em questão; e as supostas válvulas de escape para essa regra geral de preferência são cláusulas que não repercutem qualquer disposição constitucional. Nada obstante essa primeira visão, parece possível adotar uma interpretação conforme a Constituição81 do dispositivo, capaz de evitar a declaração formal de inconstitucionalidade de seu texto. Confira-se o argumento.
A interpretação que se entende possível extrair do art. 20 referido – já no limite de suas potencialidades semânticas, é bem de ver – pode ser descrita nos seguintes termos: o dispositivo veio tornar possível o mecanismo da proibição prévia de divulgações (até então sem qualquer previsão normativa explícita) que constitui, no entanto, providência inteiramente excepcional. Seu emprego só será admitido quando seja possível afastar, por motivo grave e insuperável, a presunção constitucional de interesse público que sempre acompanha a liberdade de informação e de expressão, especialmente quando atribuída aos meios de comunicação
Ou seja: ao contrário do que poderia parecer em uma primeira leitura, a divulgação de informações verdadeiras e obtidas licitamente sempre se presume necessária ao bom funcionamento da ordem pública e apenas em casos excepcionais, que caberá ao intérprete definir diante de fatos reais inquestionáveis, é que se poderá proibi-la. Essa parece ser a única forma de fazer o art. 20 do Código Civil conviver com o sistema constitucional; caso não se entenda o dispositivo dessa forma, não poderá ele subsistir validamente.
V. Solução da ponderação na hipótese em estudo
Antes de aplicar ao tipo de colisão objeto deste estudo o conjunto de argumentos doutrinários e normativos que se vem de expor, não se pode deixar de localizar a teoria jurídica no tempo, no espaço e na história, sem o que ela perderia boa parte de seu sentido. Como se sabe, a história da liberdade de expressão e de informação, no Brasil, é uma história acidentada. Convive com golpes, contra-golpes, sucessivas quebras da legalidade e pelo menos duas ditaduras de longa duração: a do Estado Novo, entre 1937 e 1945, e o Regime Militar, de 1964 a 1985. Desde o Império, a repressão à manifestação do pensamento elegeu alvos diversos, da religião às artes. As razões invocadas eram sempre de Estado: segurança nacional, ordem pública, bons costumes. Os motivos reais, como regra, apenas espelhavam um sentido autoritário e intolerante do poder.
Durante diferentes períodos, houve temas proibidos, ideologias banidas, pessoas malditas. No jornalismo impresso, o vazio das matérias censuradas era preenchido com receitas de bolo e poesias de Camões. Na televisão, programas eram proibidos ou mutilados. Censuravam-se músicas, peças, livros e novelas. O Ballet Bolshoi foi proibido de apresentar-se no Brasil, sob a alegação de constituir propaganda comunista. Um surto de meningite teve sua divulgação vedada por contrastar com a imagem que se queria divulgar do país.
Em fases diferentes da experiência brasileira, a vida foi vivida nas entrelinhas, nas sutilezas, na clandestinidade. A interdição compulsória da liberdade de expressão e de informação, por qualquer via, evoca episódios de memória triste e dificilmente pode ser vista com naturalidade ou indiferença. É claro que uma ordem judicial, precedida de devido processo legal, não é uma situação equiparada à da presença de censores da Polícia Federal nas redações e nos estúdios. Mas há riscos análogos. E o passado é muito recente para não assombrar.
Feita a digressão, e retornando ao ponto, cabe examinar as duas situações descritas no início deste estudo, que envolvem a legitimidade ou não da exibição, independentemente de autorização dos eventuais envolvidos, de programas ou matérias jornalísticas nos quais: (i) seja citado o nome ou divulgada a imagem de pessoas relacionadas com o evento noticiado ou (ii) sejam relatados e encenados eventos criminais de grande repercussão ocorridos no passado.
Examine-se em primeiro lugar a segunda circunstância, mais específica quanto aos fatos, que diz respeito à divulgação de eventos e procedimentos criminais de grande repercussão ocorridos no passado. Ora, todos os parâmetros listados no tópico III.3. indicam a legitimidade constitucional da divulgação desses fatos.
om efeito, trata-se em primeiro lugar de fatos verdadeiros, não apenas do ponto de vista subjetivo como também, em alguns dos casos, com a objetividade decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado. Ademais, o conhecimento dos fatos foi obtido por meio lícito, pois foram noticiados nos veículos de imprensa da época, assim como constam de registros policiais e judiciais. As pessoas envolvidas tornaram-se personalidades públicas, em razão da notoriedade que o seu envolvimento com os fatos lhes deu. Crimes são fatos noticiáveis por natureza, não podendo ser tratados como questões estritamente privadas. E, por fim, há evidente interesse público na sua divulgação, inclusive como fator inibidor de transgressões futuras.
Quanto aos fatos noticiáveis em geral, a mesma presunção milita com intensidade ainda maior. Aqui, não se trata apenas da liberdade de veicular novamente fatos passados, já conhecidos do público ou históricos, mas de informar propriamente, isto é, de levar ao conhecimento da população eventos contemporâneos ou em curso. Pretender que programas ou matérias jornalísticas apenas possam exibir imagens ou fazer referência a pessoas mediante prévia autorização dos interessados corresponde a inviabilizar de forma drástica a liberdade de informação ou de expressão. Afora a impossibilidade física de tal providência, bastaria ao indivíduo que está sendo alvo de críticas ou investigações negar a suposta autorização e assim tornar impossível ao jornalista exercer o seu ofício e ao meio de comunicação desempenhar o seu papel institucional.
A regra, portanto, em sede de divulgação jornalística, é a de que não há necessidade de se obter autorização prévia dos indivíduos envolvidos em algum fato noticiável (verdadeiro subjetivamente e tendo fonte lícita) e que venham a ter seus nomes e/ou imagens divulgados de alguma forma. Eventuais abusos – e.g. negligência na apuração ou malícia na divulgação – estarão sujeitos a sanções a posteriori, como já assinalado. Mas como regra, não será cabível qualquer tipo de reparação pela divulgação de fatos verdadeiros, cujo conhecimento acerca de sua ocorrência tenha sido obtido por meio lícito, presumindo-se, em nome da liberdade de expressão e de informação, o interesse público na livre circulação de notícias e idéias.
Conclusões
Ao final dessa exposição, que se fez inevitavelmente analítica, é possível compendiar as principais idéias desenvolvidas nas proposições seguintes:
1. A colisão de princípios constitucionais ou de direitos fundamentais não se resolve mediante o emprego dos critérios tradicionais de solução de conflitos de normas, como o hierárquico, o temporal e o da especialização. Em tais hipóteses, o intérprete constitucional precisará socorrer-se da técnica da ponderação de normas, valores ou interesses, por via da qual deverá fazer concessões recíprocas entre as pretensões em disputa, preservando o máximo possível do conteúdo de cada uma. Em situações extremas, precisará escolher qual direito irá prevalecer e qual será circunstancialmente sacrificado, devendo fundamentar racionalmente a adequação constitucional de sua decisão.
2. Os direitos da personalidade, tidos como emanação da dignidade da pessoa humana, conquistaram autonomia científica e normativa, são oponíveis a todos e comportam reparação independentemente de sua repercussão patrimonial (dano moral). É corrente a classificação que os divide em direitos (i) à integridade física e (ii) à integridade moral. A proteção da integridade moral, que é a que diz respeito à discussão aqui desenvolvida, tem no Brasil status constitucional, materializando-se nos direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
3. A liberdade de informação diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado. A liberdade de expressão tutela o direito de externar idéias, opiniões, juízos de valor e manifestações do pensamento em geral. Tanto em sua dimensão individual como, especialmente, na coletiva, entende-se que as liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras liberdades, o que justifica sua posição de preferência em tese (embora não de superioridade) em relação aos direitos individualmente considerados.
4. Na colisão entre a liberdade de informação e de expressão, de um lado, e os direitos da personalidade, de outro, destacam-se como elementos de ponderação: a veracidade do fato, a licitude do meio empregado na obtenção da informação, a personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia, o local do fato, a natureza do fato, a existência de interesse público na divulgação, especialmente quando o fato decorra da atuação de órgãos ou entidades públicas, e a preferência por medidas que não envolvam a proibição prévia da divulgação. Tais parâmetros servem de guia para o intérprete no exame das circunstâncias do caso concreto e permitem certa objetividade às suas escolhas.
5. O legislador infraconstitucional pode atuar no sentido de oferecer alternativas de solução e balizamentos para a ponderação nos casos de conflito de direitos fundamentais. Todavia, por força do princípio da unidade da Constituição, não poderá determinar, em abstrato, a prevalência de um direito sobre o outro, retirando do intérprete a competência para verificar, in concreto, a solução constitucionalmente adequada para o problema.
6. O § 2° do art. 21 da Lei n° 5.250/67 (Lei de Imprensa) e o art. 20 do Novo Código Civil devem ser interpretados conforme a Constituição para que possam subsistir validamente. É que de sua literalidade resultaria uma inadmissível precedência geral dos direitos da personalidade sobre as liberdades de informação e de expressão. Em ambos os casos, a presunção do interesse público na livre circulação de notícias e de idéias impede o cerceamento da liberdade de informação e de expressão, a menos que a presunção possa ser excepcionalmente afastada à vista do caso concreto, mediante comprovação cabal de uma situação contraposta, merecedora de maior proteção.
7. É legítima a exibição, independentemente de autorização dos eventuais envolvidos, de programas ou matérias jornalísticas nas quais: (i) sejam citados os nomes ou divulgada a imagem de pessoas relacionadas com o evento noticiado; ou (ii) sejam relatados e encenados eventos criminais de grande repercussão ocorridos no passado, e que tenham mobilizado a opinião pública. Presentes os elementos de ponderação aqui estudados, não se admitirá: (a) a proibição da divulgação, (b) a tipificação da veiculação da matéria ou do programa como difamação e (c) a pretensão de indenização por violação dos direitos da personalidade.
1Trabalho desenvolvido com a colaboração de Ana Paula de Barcellos.
2V. Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 2003. Os princípios específicos e instrumentais à interpretação constitucional são os da supremacia, presunção de constitucionalidade, interpretação conforme a Constituição, unidade, razoabilidade-proporcionalidade e efetividade.
3V Luís Roberto Barroso, “Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro”, in Temas de direito constitucional, t. II, p. 32: “O Direito, como se sabe, é um sistema de normas harmonicamente articuladas. Uma situação não pode ser regida simultaneamente por duas disposições legais que se contraponham. Para solucionar essas hipóteses de conflito de leis, o ordenamento jurídico se serve de três critérios tradicionais: o da hierarquia – pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior –, o cronológico – onde a lei posterior prevalece sobre a anterior – e o da especialização – em que a lei específica prevalece sobre a lei geral. Estes critérios, todavia, não são adequados ou plenamente satisfatórios quando a colisão se dá entre normas constitucionais, especialmente entre princípios constitucionais, categoria na qual devem ser situados os conflitos entre direitos fundamentais”.
4Humberto Ávila, Teoria dos princípios (da definição à aplicação dos princípios jurídicos), 2003.
5Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, 1997, p. 86: “Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, são mandados de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito do juridicamente possível é determinado pelos princípios e regras opostas”. (tradução livre).
6Há vasto material sobre o assunto, tanto na doutrina brasileira quanto no direito comparado. A respeito da colisão de direitos fundamentais em geral, v. Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, 2001; Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituição Federal, 2000; Ricardo Lobo Torres, “Da ponderação de interesses ao princípio da ponderação”, in Urbano Zilles (coord.), Miguel Reale. Estudos em Homenagem a seus 90 anos, 2000. Sobre a temática específica da colisão entre a liberdade de expressão em sentido amplo e outros direitos fundamentais, sobretudo os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, v. Edilsom Pereira de Souza, Colisão de direitos fundamentais. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e de informação, 2000; Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, 1999; Mônica Neves Aguiar da Silva Castro, Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos, 2002; Porfirio Barroso e María del Mar López Tavalera, La libertad de expresion y sus limitaciones constitucionales, 1998; Antonio Fayos Gardó, Derecho a la intimidad y medios de comunicación, 2000; Miguel Ángel Alegre Martínez, El derecho a la propia imagen, 1997; Sidney Cesar Silva Guerra, A liberdade de imprensa e o direito à imagem, 1999; Pedro Frederico Caldas, Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, 1997.
7Edilsom Pereira de Farias, Colisão de direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e de informação, p. 120: “Sucede que não há hierarquia entre os direitos fundamentais. Estes, quando se encontram em oposição entre si, não se resolve a colisão suprimindo um em favor do outro. Ambos os direitos protegem a dignidade da pessoa humana e merecem ser preservados o máximo possível na solução da colisão”.
8E.g., CF, art. 5°: “XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”; e “XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
9Para parte dos autores que tratam do tema, ao regulamentar o exercício do direito o legislador poderá explicitar limites imanentes, independentemente de expressa previsão constitucional. V. Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, 2001, pp. 60-1: “Em outros termos, a restrição de direitos fundamentais operada pelo legislador ordinário, antecipando-se a futuros conflitos (conflitos em potencial), pode ser justificada invocando-se a teoria dos limites imanentes; o legislador poderá argumentar que, embora não tenham sido prescritos nem direta nem indiretamente pelo legislador constituinte, os limites que está fixando são legítimos, porque imanentes ao sistema de direitos fundamentais e à Constituição como um todo”.
10STF, DJ 29.06.90, ADInMC 223-DF, Rel. Min. Paulo Brossard.
11STF, DJ 29.06.90, ADInMC 223-DF, Rel. Min. Paulo Brossard: “Generalidade, diversidade e imprecisão de limites do âmbito de vedação de liminar da MP 173, que, se lhe podem vir, a final, a comprometer a validade, dificultam demarcar, em tese, no juízo de delibação sobre o pedido de sua suspensão cautelar, até onde são razoáveis as proibições nela impostas, enquanto contenção ao abuso do poder cautelar, e onde se inicia, inversamente, o abuso das limitações e a conseqüente afronta à plenitude da jurisdição e ao Poder Judiciário. Indeferimento da suspensão liminar da MP 173, que não prejudica, segundo o relator do acórdão, o exame judicial em cada caso concreto da constitucionalidade, incluída a razoabilidade, da aplicação da norma proibitiva da liminar. Considerações, em diversos votos, dos riscos da suspensão cautelar da medida impugnada”. V. a propósito, o bem fundamentado voto do Min. Sepúlveda Pertence, aderindo ao relator, do qual se transcreve breve passagem: “O que vejo, aqui, embora entendendo não ser de bom aviso, naquela medida de discricionariedade que há na grave decisão a tomar, da suspensão cautelar, em tese, é que a simbiose institucional a que me referi, dos dois sistemas de controle da constitucionalidade da lei, permite não deixar ao desamparo ninguém que precise de medida liminar em caso onde – segundo as premissas que tentei desenvolver e melhor do que eu desenvolveram os Ministros Paulo Brossard e Celso de Mello – a vedação da liminar, por que desarrazoada, por que incompatível com o art. 5º, XXXV, por que ofensiva do âmbito de jurisdição do Poder Judiciário, se mostra inconstitucional.
Assim, creio que a solução estará no manejo do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto, nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da constitucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das restrições impostas ao seu poder cautelar, para, se entender abusiva essa restrição, se a entender inconstitucional, conceder a liminar, deixando de dar aplicação, no caso concreto, à medida provisória, na medida em que, em relação àquele caso, a julgue inconstitucional, porque abusiva (fls. 12)”.
12Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1997; Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, 1997 e os seguintes textos mimeografados: Colisão e ponderação como problema fundamental da dogmática dos direitos fundamentais (1998) e Constitutional rights, balancing, and rationality (2002) (textos gentilmente cedidos por Margarida Lacombe Camargo); Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, 1997; Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituição Federal, 2000; Ricardo Lobo Torres, “Da ponderação de interesses ao princípio da ponderação”, in Urbano Zilles (coord.), Miguel Reale. Estudos em homenagem a seus 90 anos, 2000, p. 643 e ss.; Aaron Barak, “Foreword: a judge on judging: the role of a Supreme Court in a Democracy”, Harvard Law Review 116/1 (2002); Marcos Maselli Gouvêa, O controle judicial das omissões administrativas, 2003; Humberto Ávila, Teoria dos princípios (da definição à aplicação dos princípios jurídicos), 2003.
13José Maria Rodríguez de Santiago, La ponderación de bienes e intereses en el derecho administrativo, 2000.
14Do inglês hard cases, a expressão identifica situações para as quais não há uma formulação simples e objetiva a ser colhida no ordenamento, sendo necessária a atuação subjetiva do intérprete e a realização de escolhas, com eventual emprego de discricionariedade.
15A ponderação também tem sido empregada em outras circunstâncias, como na definição do conteúdo de conceitos jurídicos indeterminados (a definição do que sejam os “valores éticos e sociais da pessoa e da família”, referidos no art. 221, IV, da Constituição, envolverá por certo um raciocínio do tipo ponderativo) ou na aplicação da eqüidade a casos concretos, embora este último caso possa ser reconduzido a um confronto de princípios, já que a eqüidade tem como fundamento normativo específico o princípio constitucional da justiça.
16Ricardo Lobo Torres, “Da ponderação de interesses ao princípio da ponderação”, in Urbano Zilles (coord.), Miguel Reale. Estudos em homenagem a seus 90 anos, 2000, p. 643 e ss..
17Por vezes, o conflito se estabelece mais claramente entre interesses opostos, quando então será preciso verificar se esses interesses podem ser reconduzidos a normas jurídicas (as quais, por sua vez, podem ter como fundamento regras e/ou princípios, explícitos ou implícitos).
18Sobre o tema, v. Humberto Ávila, Teoria dos princípios (da definição à aplicação dos princípios jurídicos), 2003, p. 13.
19Essa estrutura em geral não se repete com as regras, de modo que a ponderação destas será um fenômeno muito mais complexo e excepcional.
20Neste sentido, v. Fábio Corrêa Souza de Oliveira, Por uma teoria dos princípios. O princípio constitucional da razoabilidade, 2003, p. 219: “Os princípios são mandados de otimização. Por isto a metodologia pertinente é a da ponderação de valores normativos. Ela acontece sob a lógica dos valores, que outra coisa não é senão a lógica do razoável, conforme proposta neste estudo. Nesta esteira, é que Alexy assevera: ‘La ley de ponderación no formula otra cosa que el principio de la proporcionalidad’. O critério da razoabilidade fornece a (justa) medida pela qual se otimizam os princípios em jogo. Como sustenta Canotilho, o que se almeja é uma ‘ponderação de bens racionalmente controlada’”. Na jurisprudência, o STF tem aplicado reiteradamente o princípio da razoabilidade. Confira-se, exemplificativamente, o seguinte trecho de acórdão: “A cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5o, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.” (STF, DJ 27.04.01, ADInMC 1.063-8, Rel. Min. Celso de Mello).
21Sobre a discussão acerca da existência autônoma dos direitos da personalidade, v. Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil, 1997, p. 155.
22Pietro Perlingieri, La personalità umana nell’ordenamento giuridico, apud Gustavo Tepedino, “A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro”, in Temas de direito civil, 2001, p. 42: “O direito da personalidade nasce imediatamente e contextualmente com a pessoa (direitos inatos). Está-se diante do princípio da igualdade: todos nascem com a mesma titularidade e com as mesmas situações jurídicas subjetivas (…) A personalidade comporta imediata titularidade de relações personalíssimas”.
23Gustavo Tepedino, “A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro”, in Temas de direito civil, 2001, p. 33.
24Mônica Neves Aguiar da Silva Castro, Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos, 2002, p. 67: “Identificados como inatos, no sentido de que não é necessária a prática de ato de aquisição, posto que inerentes ao homem, bastando o nascimento com vida para que passem a existir, os direito da personalidade vêm sendo reconhecidos igualmente aos nascituros”.
25Miguel Ángel Alegre Martínez, El derecho a la propia imagen, 1997, p. 140: “Es de notar, además, que los destinatarios de esse deber genérico son todas las personas. El respeto a los derechos fundamentales, traducción del respeto a la dignidad de la persona, corresponde a todos, precisamente porque los derechos que deben ser respetados son patrimonio de todos, y el no respeto a los mismos por parte de cualquiera privará al otro del disfrute de sus derechos, exigido por su dignidad”.
26V. Gustavo Tepedino, “A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro”, in Temas de direito civil, 2001, p. 33 e ss..
27O artigo The right to privacy, de Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, publicado na Harvard Law Review em 1890, marca o início da construção dogmática desses direitos.
28A intimidade corresponde a um círculo mais restrito de fatos relacionados exclusivamente ao indivíduo, ao passo que a vida privada identifica um espaço mais amplo de suas relações sociais. A proteção de uma e outra, portanto, varia de intensidade. Sobre o tema, v. Edilsom Pereira de Farias, Colisão de direitos – a honra, a intimidade e a imagem versus a liberdade de expressão e de informação, 2000, p. 140 e ss. e Antonio Fayos Gardó, Derecho a la intimidad y medios de comunicación, p. 25 e ss..
29V. Pedro Frederico Caldas, Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, 1997, p. 99 e ss.; e Miguel Angel Alegre Martínez, El derecho a la propia imagen, 1997, p. 120 e ss.
30V. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, 1999, p. 230: “Antonio Scalise, depois de examinar a jurisprudência italiana, concluiu que a informação jornalística é legítima se preencher três requisitos: o interesse social da notícia, a verdade do fato narrado e a continência da narração. Finalmente, é continente a narrativa quando a exposição do fato e sua valorização não integram os extremos de uma agressão moral, mas é expressão de uma harmônica fusão do dado objetivo de percepção e do pensamento de quem recebe, além de um justo temperamento do momento histórico e do momento crítico da notícia”.
31TJRJ, DO 03.04.89, Ap. 1988.001.03920, Rel. Des. Barbosa Moreira.
32Nas palavras de Adriano de Cupis (Os direitos da personalidade, 1961, apud Edilsom Pereira de Farias, Colisão de direitos – a honra, a intimidade e a imagem versus a liberdade de expressão e de informação, 2000, p. 134), citado pela maioria dos autores: “a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa”.
33Faz-se desde logo o registro de que, sobretudo quando se trata dos meios de comunicação, a verdade em questão não corresponde a uma verdade absoluta, muitas vezes impossível de apurar, e sim a uma verdade subjetiva, plausível ou fundamentada. A este ponto se retornará no próximo capítulo.
34Na Inglaterra, o Rehabilitation of Offenders Act proíbe a divulgação de informações obtidas por meios ilícitos sobre o cometimento de crimes, quando os condenados já tenham sido reabilitados, bem como a divulgação das referidas informações por pessoas que as tenham obtido em virtude do cargo ou função pública que ocupem. Não há, contudo, nenhum óbice à divulgação de material obtido através de meios regulares – não ilícitos –, no que se incluem os registros públicos. Sobre o tema, v. Antonio Fayos Gardó, Derecho a la intimidad y medios de comunicación, 2000, pp. 329-30.
35V. Edilsom Pereira de Farias, Colisão de direitos – a honra, a intimidade e a imagem versus a liberdade de expressão e de informação, 2000, p. 136.
36Só se pode afastar a exceção da verdade no caso de imputação de fato relativo exclusivamente à intimidade. Não é o que ocorre, por óbvio, em relação à prática de um crime, que não se inclui sequer na vida privada, sendo um acontecimento de repercussão social por natureza. Nesse sentido, tratando especificamente da configuração de difamação pelo Tribunal Constitucional espanhol. V. Pablo Salvador Coderch (org.), El mercado de las ideas, 1990, pp. 166-7: “La exceptio veritatis no se admite en materia de intimidad mas, en el marco de una concepción factual del honor, no hay razón para rechazar su alegación en sede de difamación”.
37Antonio Fayos Gardó, Derecho a la intimidad y medios de comunicación, 2000, p. 67: “Asimismo hay interés público en todos los supuestos en que una persona es acusada o juzgada por algún delito: hay sentencias que lo admiten en caso de abuso sexual de menores, violaciones, secuestros, homicidios, etc., aceptándose incluso la existencia del Public concern en casos en que la persona ha sido absuelta o ya ha transcurrido mucho tiempo desde la condena”. O autor menciona casos da jurisprudência norte-americana. A última hipótese – julgamentos em que houve absolvição ou cuja condenação data de muito tempo – é exemplificada com o caso Wasser v. San Diego Union, Cal. App. 1987, 191 Cal. App. 3d 1455, 236 Cal. Rptr. 772, 775-777.
38Sobre o tema, veja-se a respeitada e atual doutrina de Claus Roxin (Derecho Penal – parte general, tomo I, 1997, p. 90): “La teoria preventiva general tiene también hoy en dia mucha influencia como teoria de la pena. Posee una cierta evidencia de psicologia del profano y se justifica asimismo por la consideración de la psicologia profunda de que muchas personas solo contienen sus impulsos antijuridicos cuando ven que aquel que se permite su satisfacción por meios extralegales no consigue éxito con ello, sino que sufre graves inconvenientes”. Na doutrina nacional, confira-se o magistério de Heleno Fragoso, Lições de direito penal, 1989, p. 276: “Prevenção geral é a intimidação que se supõe alcançar através da ameaça da pena e de sua efetiva imposição, atemorizando os possíveis infratores”.
39Mônica Neves Aguiar da Silva Castro, Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos, 2002, p. 17: “Compreende-se nesse conceito, não apenas o semblante do indivíduo, mas partes distintas do seu corpo, sua própria voz, enfim, quaisquer sinais pessoais de natureza física pelos quais possa ser ela reconhecida”.
40Edilsom Pereira de Farias, Colisão de direitos – a honra, a intimidade e a imagem versus a liberdade de expressão e de informação, 2000, p. 150.
41Miguel Ángel Alegre Martínez (El derecho a la propia imagen, 1997, p. 125) lista algumas hipóteses interessantes de limitação legítima ao direito de imagem: fotografias tiradas por radares eletrônicos de trânsito e imagens captadas por câmeras de segurança, inclusive as instaladas nas ruas e espaços públicos.
42CF, art. 93, IX: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes;”
43O’Callaghan, Libertad de expresión y sus límites: honor, intimidad e imagen, apud Miguel Ángel Alegre Martínez, El derecho a la propia imagen, 1997, p. 124: “En efecto, consecuencia de ello es que las imágenes que se capten, publiquen o transmitan de un proceso no entran en el derecho a la imagen de los interesados, los cuales no podrán ejercer sobre las mismas el aspecto positivo y, especialmente, el negativo, que forma su contenido.”; Miguel Ángel Alegre Martínez, El derecho a la propia imagen, 1997, p. 127: “Otra ‘causa de justificación’ introducida con carácter general por el artículo 8.1 de la Ley Orgánica 1/1982, es el predominio de ‘un interés histórico, científico o cultural relevante’. Para que pueda considerarse justificada la información, por tanto, ha de revelar imágenes que aporten datos importantes para el conocimiento de un hecho, acontecimiento o época, o suponga una aportación importante en el ámbito de la cultura o de la investigación”. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira, 1994, p. 38) menciona ainda os seguintes permissivos gerais encontrados na Lei Orgânica de Proteção Civil, também da Espanha: (i) imagens de pessoas públicas captadas em atos públicos ou lugares abertos ao público; (ii) caricaturas de pessoas públicas; (iii) acontecimentos públicos.
44Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, 1999, p. 25: “Por isso é importante sistematizar, de um lado, o direito de informação, e, de outro, a liberdade de expressão. No primeiro está apenas a divulgação de fatos, dados, qualidades, objetivamente apuradas. No segundo está a livre expressão do pensamento por qualquer meio, seja a criação artística ou literária, que inclui o cinema, o teatro, a novela, a ficção literária, as artes plásticas, a música, até mesmo a opinião publicada em jornal ou em qualquer outro veículo”.
45Porfirio Barroso e María del Mar López Talavera, La libertad de expresión y sus limitaciones constitucionales, 1998, p. 49: “La libertad de información se ejerce a través de la difusión de hechos. Pero no todos los hechos pueden ser objeto de la libertad de información, sino sólo aquellos que tienen trascendencia pública: hechos noticiables”.
46Tribunal Constitucional Espanhol, Sentencia n.º 6.21 ene. Fundamento Jurídico n. 5, apud Mônica Neves Aguiar da Silva Castro, Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos, 2002, p. 106: “(…) a comunicação de fatos ou de notícias não se dá nunca em um estado quimicamente puro e compreende, quase sempre, algum elemento valorativo ou, dito de outro modo, uma vocação à formação de uma opinião”.
47Na doutrina americana, v., dentre outros, Laurence Tribe, Constitutional law, 1988, p. 785 e s.; e Nowak, Rotunda e Young, Constitutional Law, 1986, p. 829 e s.
48“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por qualquer meio de expressão”. O Convênio Europeu de Direitos Humanos é praticamente idêntico.
49Porfirio Barroso e María del Mar Lópes Talavera, La libertad de expresión y sus limitaciones constitucionales, 1998, p. 50: “Esta configuración autónoma de ambos derechos no puede oscurecer el hecho de que la libertad de información es material y lógicamente una faceta de la libertad de expresión. (…) La construcción dogmática de ambos derechos tiene idénticos fundamentos, o dicho en otras palabras, que las líneas doctrinales que se elaboran en beneficio de la garantía de la libertad de expresión son aplicables, con escasas acomodaciones, a la libertad de información”.
50Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, 1999, p. 24: “Todos os doutrinadores citados, mesmo os que, em maioria, adotam uma disciplina comum entre expressão e informação, deparam-se com, pelo menos, uma distinção importante entre os dois institutos: a veracidade e a imparcialidade da informação. E é, justamente, em razão dessa distinção fundamental que se deve pensar em um direito de informação que seja distinto em sua natureza da liberdade de expressão”.
51Lluis de Carrera Serra, Régimen jurídico de la Información, 1996, apud Porfirio Barroso e María del Mar López Talavera, La libertad de expresión y sus limitaciones constitucionales, 1998, p. 49): “(…) mientras los hechos, por su materialidad, son susceptibles de prueba, los pensamientos, ideas, opiniones o juicios de valor, no se prestan, por su naturaleza abstracta, a una demonstración de su exactitud, y ello hace que al que ejercita la libertad de expresión no le sea exigible la prueba de la verdad (…), y por tanto, la libertad de expresión es más amplia que la libertad de información, por no operar, en el ejercicio de aquélla, el límite interno de veracidad que es aplicable a ésta”.
52Edilsom Pereira de Farias, Colisão de direitos – a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, 2000, pp. 166-7: “Se a liberdade de expressão e informação, nos seus primórdios, estava ligada à dimensão individualista da manifestação livre do pensamento e da opinião, viabilizando a crítica política contra o ancien régime, a evolução daquela liberdade operada pelo direito/dever à informação, especialmente com o reconhecimento do direito ao público de estar suficientemente e corretamente informado; àquela dimensão individualista-liberal foi acrescida uma outra dimensão de natureza coletiva: a de que a liberdade de expressão e informação contribui para a formação da opinião pública pluralista – esta cada vez mais essencial para o funcionamento dos regimes democráticos, a despeito dos anátemas eventualmente dirigidos contra a manipulação da opinião pública”.
53Edilsom Pereira de Farias, Colisão de direitos – a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, 2000, p. 167: “Assim, a liberdade de expressão e informação, acrescida dessa perspectiva de instituição que participa de forma decisiva na orientação da opinião pública na sociedade democrática, passa a ser estimada como elemento condicionador da democracia pluralista e como premissa para o exercício de outros direitos fundamentais”.
54Lluis de Carrera Serra, Régimen juridico de la Información, 1996, apud Porfirio Barroso e María del Mar López Talavera, La libertad de expresión y sus limitaciones constitucionales, 1998, p. 48: “La jurisprudencia constitucional otorga a la libertad de expresión o de información un carácter preferente sobre los demás derechos fundamentales, como son el derecho al honor, la intimidad y la propia imagen. De manera que si la libertad de expresión se practica legítimamente – porque no se utilizan expresiones formalmente injuriosas –, el derecho al honor cede ante ella. O si la libertad de información se ejerce con noticias que son de interés público por su contenido o por referirse a una persona de relevancia pública, ha de protegerse frente al derecho al honor”.
55Edilsom Pereira de Farias, Colisão de direitos – a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação, 2000, p. 178: “O Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Alemão), especialmente a partir da sentença do caso Lüth, também estabelece uma preferência pela liberdade de expressão e informação ao considerá-la como direito individual indispensável para o regime democrático”.
56Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, 1999, p. 51: “Qualquer restrição deve ser determinada por ordem judicial, mediante o devido processo legal. E, mesmo o Poder Judiciário, só deve impor qualquer restrição à liberdade de expressão quando for imprescindível para salvaguardar outros direitos que não possam ser protegidos ou compostos de outro modo menos gravoso. Especialmente, a concessão de liminares só deve ocorrer em casos muitíssimos excepcionais. Na maioria das vezes, o direito invocado pode ser perfeitamente composto com a indenização por dano moral, o que é melhor solução do que impedir a livre expressão. O sistema proposto contribui, também, para criar um sentimento de responsabilidade entre os agentes criativos em geral pelos danos causados pelas suas obras”.
57Sem prejuízo de que a eventual ponderação se possa resolver pela incidência integral de um dos princípios envolvidos, com correlato afastamento de outros. Essa aferição deve ser feita à luz do caso concreto. Sobre o tema da ponderação v. Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, 2001.
58Ainda na linha do direito à informação, veja-se que o art. 5°, XXXIII prevê: “XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
59Esta parece ser a posição de Mônica Neves de Aguiar da Silva Castro, em Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos, 2002, p. 116: “Tratando-se de colisão entre direitos fundamentais não sujeitos à reserva de lei, como o são aqueles analisados no presente trabalho, a solução deve ficar a cargo dos Juízes e Tribunais”.
60Wilson Antonio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, 2001, p. 61: “Em outros termos, a restrição de direitos fundamentais operada pelo legislador ordinário, antecipando-se a futuros conflitos (conflitos em potencial), pode ser justificada invocando-se a teoria dos limites imanentes; o legislador poderá argumentar que, embora não tenham sido prescritos nem direta nem indiretamente pelo legislador constituinte, os limites que está fixando são legítimos, porque imanentes ao sistema de direitos fundamentais e à Constituição como um todo”. Por essa teoria, o legislador infraconstitucional poderia restringir direitos fundamentais ainda quando não houvesse reserva de lei – no silêncio do constituinte, portanto – tendo em vista os limites imanentes que a unidade da Constituição impõe. Todavia, de certo não poderia atuar em determinada matéria se houvesse uma proibição explícita do constituinte. Parece ser essa a interpretação que a mencionada autora extrai do art. 220, § 1º, da Constituição.
61Gilmar Ferreira Mendes pensa de forma diversa, considerando tratar-se apenas de uma reserva de lei qualificada, que autoriza a edição de lei, mas a vincula aos parâmetros previstos constitucionalmente. Gilmar Ferreira Mendes, “Colisão de direitos fundamentais: liberdade de expressão e de comunicação e direito à honra e à imagem”. In: Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 1998, pp. 86-7.
62CF, art. 21: “Compete à União: (…) XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;”
63Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, 1999, p. 91: “Em mais de uma oportunidade o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (Casos Lingens, Castells, e Open Door e Dublin Well Woman), consagrou a tese de que a liberdade de informação – e de expressão – não autoriza apenas a divulgação de informação inócua ou indiferente, ou mesmo agradável em relação ao personagem do fato, mas também a informação que ofenda ou moleste.” Seguindo a mesma linha, a Suprema Corte americana já autorizou a divulgação de aspectos pessoais e mesmo da identidade de vítima de estupro, a despeito do constrangimento que isso lhe causaria, sob o fundamento de que as referências concretas aumentam o impacto e a verossimilhança da matéria jornalística, conferindo-lhe credibilidade e, por conseqüência, tornando-a mais informativa: “The Court stated that ‘plaintiff’s photograph and name’ were substancially relevant to a newsworthy topic because they strengthen the impact and credibility of the article. They obviate any impression that the problems raised in the article are remote and hypothetical, thus providing an aura of immediacy and even urgency that might not exist had plaintiff´s name and photograph been suppressed” (Paul C. Weiler, Entertainment, media, and the law, 1997, p. 129).
64Em sentido contrário, Pedro Frederico Caldas, Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral, 1997, p. 108: “A liberdade de imprensa tem limites internos e limites externos. Os limites internos traduzem-se, e.g., nas responsabilidades sociais e no compromisso com a verdade, pois, como acisadamente registra Zannoni, os meios de comunicação devem aceitar e cumprir certas obrigações para com a sociedade, estabelecendo um alto nível profissional e de informação, com base na veracidade, na exatidão, na objetividade e no equilíbrio. Os limites externos encontrariam muros justamente nos limites de outros direitos de igual hierarquia constitucional”.
65Mônica Neves Aguiar da Silva Castro, Honra, imagem, vida privada e intimidade, em colisão com outros direitos, 2002, p. 110: “Se inverídica, sequer se estabelece o conflito, eis que não se insere no âmbito do conteúdo material da liberdade de informação e expressão o de mentir, transmitir dados não verdadeiros ou falsear a verdade”.
66Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, 1999, p. 98: “Caso a exigência fosse tomada de modo absoluto, segundo o Tribunal [ Constitucional da Espanha], significaria condenar a imprensa ao silêncio”.
67Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão, 1999, p. 97: “É certo que, nos casos concretos, torna-se difícil estabelecer o que é verdade e o que é falsidade. Qualquer que seja o critério adotado há que levar em conta essa dificuldade e há que ser flexível. O que se deve exigir dos órgãos de informação é a diligência em apurar a verdade; o que se deve evitar é a despreocupação e a irresponsabilidade em publicar ou divulgar algo que não resista a uma simples aferição”.
68Essa flexibilização chega a extremos na jurisprudência da Suprema Corte norte-americana, no que é seguida pelo Tribunal Constitucional espanhol. Essas Cortes, quando a notícia diz respeito a funcionário público no exercício de suas funções, exigem apenas que o veículo de comunicação não tenha procedido com actual malice, ou seja, com conhecimento da falsidade ou da provável falsidade do que publicam. O leading case na matéria foi New York Times vs. Sullivan, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1964 (376 U.S. 254). V. Dermit L. Hall (editor), The Oxford companion to the Supreme Court, 1992, pp. 586-7.
69Jávier Terrón Montero, Libertad de expresión y Constitución, 1980, apud Porfirio Barroso e María del Mar Lópes Talavera, La libertad de expresion y sua limitaciones constitucionales, 1998, p. 50: “Dos son los órdenes de limitaciones impuestas generalmente a la libertad de expresión-información: el interés público general y el derecho a la intimidad personal”.
70Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Liberdade de informação e direito difuso à informação verdadeira, 1994, p. 88: “A notícia tem uma finalidade social, que é colocar a pessoa sintonizada com o mundo que a rodeia, de modo que todas as pessoas tenham acesso igualitário à informação disponível, para que possam desenvolver toda a potencialidade de sua personalidade e, assim, possam tomar as decisões que a comunidade exige de cada integrante”.
71Há um julgado da Corte Européia de Direitos Humanos que reconhece a liberdade de expressão ainda quando o seu exercício possa interferir com a credibilidade e a imparcialidade de uma decisão do Poder Judiciário. A decisão, obtida por maioria apertada, entendeu que a circunstância – reconhecida pela Corte como efetivamente presente – de a divulgação de fatos que constituíam o objeto de um rumoroso processo poder afetar a credibilidade da futura decisão não afastava a liberdade de expressão, já que o interesse público militava pela disseminação das informações, relativas a uma questão de saúde pública (no caso, o modo como haviam sido conduzidos os testes do remédio Talidomida. V. Vincent Berger, Jurisprudence de la Cour Européene des Droits de L´Homme, 2002, p. 487: “L´arrêt poursuit en soulignant l´importance dans une société démocratique, du principe de la liberté d´expression, qui s´applique au domaine de l´administration de la justice comme aux autres. Non seulement il incombe aux mass media de communiquer des informations et des idées sur les questions dont connaissent les tribunaux, mais encore le public a le droit d’en recevoir. (…) A une faible majorité (onze voix contre neuf), la Cour conclut que l’ingérence ne correspondait pas à un besoin social assez impérieux pour primer l’intérêt public s’attachant à la liberté d’expression; ne se fondant donc pas sur des motifs suffisants sous l’angle de l’article 10 § 2, elle n’était ni proportionnée au but légitime poursuivi ni nécessaire, dans une société démocratique, pour garantir l’autorité du pouvoir judiciaire. Dès lors, il y a eu violation de l’article 10”.
72Nesse sentido, a Suprema Corte americana já decidiu que o fato de o material ter sido obtido através da consulta a registros públicos descaracteriza qualquer ilicitude na sua divulgação, ainda quando em franca oposição a uma lei do Estado em questão que proibia a publicação de determinadas informações – no caso em comento, a identidade de vítimas do crime de estupro. Confira-se em Paul C. Weiler, Entertainment, media, and the law, 1997, p. 125: “In Cox Broadcasting v. Cohn, 420 U.S. 469 (1975), the Supreme Court held that states cannot bar publication of truthful information contained in public records that are open to public inspection. A reporter for WSB-TV, a Cox Broadcasting television station, obtained the name of a deceased rape victim by reviewing criminal indictments of accused rapists that were available for public inspection. Despite a Georgia´s law prohibiting the broadcast or publication of a rape´s victim identity, the reporter broadcast the victim´s name in a news report concerning the rape. The victim´s father filed suit alleging violation of the Georgia law and invasion of privacy. The Supreme Court held that state law could not both leave the information accessible to the general public and bar publication by the print or broadcast media”.
73V. Luís Roberto Barroso, “O Ministro e D. Nininha”. In: Jornal A tarde, Bahia, 25.04.2003.
74Confira-se a afirmação taxativa de Antonio Fayos Gardó, Derecho a la intimidad y medios de comunicación, 2000, p. 67: “Asimismo hay interés público en todos los supuestos en que una persona es acusada o juzgada por algún delito: hay sentencias que lo admiten en caso de abuso sexual de menores, violaciones, secuestros, homicidios, etc., aceptándose incluso la existencia del Public concern en casos en que la persona ha sido absuelta o ya ha transcurrido mucho tiempo desde la condena”.
75Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Liberdade de informação e direito difuso à informação verdadeira, 1994, p. 64: “Pois bem. Se examinarmos a natureza desse direito à informação verdadeira, vamos concluir que se trata de um direito ‘transindividual’, ‘indivisível’, cujos titulares são ‘pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato’. Transindividual e indivisível porque a informação jornalística é destinada a todas as pessoas que se disponham a recebê-la, sem que se possa individualizar e dividir qual informação será difundida para este indivíduo e qual para aquele. Todos são igualmente titulares desse direito desse direito de receber informação e é inegável que todos os titulares estão ligados pela circunstância de fato de serem leitores do mesmo jornal, ouvintes do mesmo rádio ou espectadores da mesma emissora de televisão”.
76V. nota 6.
77Salvo se os ofendidos admitissem a exceção da verdade.
78Pablo Salvador Coderch (org.), El mercado de las ideas, 1990, pp. 166-7: “Una regulación de la difamación interpretada según las exigencias normativas de la Constitución supone que se responde únicamente por enunciados indicativos (apofánticos) y factuales que son falsos (o intrusivos en la intimidad), pero no por opiniones, por valoraciones y comentarios de hechos.
La distinción es fundamental en una sociedad de hombres libres que piensan de distintas y enfrentadas maneras: se defiende a los ciudadanos de la falsedad descarada de una noticia porque la mentira no tiene valor constitucional (‘información veraz’, art. 20.1 d CE), pero no de opiniones publicadas em las páginas editoriales (las llamadas páginas de opinión, tribunas libres). El lector avezado puede, ante hechos conocidos, profetizar cómo serán a grandes rasgos los editoriales de los diferentes diarios nacionales y locales. Compramos los diarios que cuentan lo que queremos leer.
(…)
Si se dejan claros los hechos o estos son notorios, la opinión personal no impide la formación de otra más ecuánime y, al revés, cuanto más disparatada es la expuesta, más facilmente se genera la reacción de la opinión madura y reflexiva, de la que calibra sensatamente la ‘gravedad’ de los hechos”.
79Em redação idêntica à do Código Civil recentemente promulgado: “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a difusão de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.
80Luís Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito à informação X direito à privacidade. O conflito de direitos fundamentais. Fórum: Debates sobre a Justiça e Cidadania. Revista da AMAERJ, n. 5, 2002, p. 15.
81Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 2002, p. 185: “A interpretação conforme a Constituição compreende sutilezas que se escondem por trás da definição truística do princípio. Cuida-se, por certo, da escolha de uma linha de interpretação de uma norma legal, em meio a outras que o Texto comportaria. Mas, se fosse somente isso, ela não se distinguiria da mera presunção de constitucionalidade dos atos legislativos, que também impõe o aproveitamento da norma sempre que possível. O conceito sugere mais: a necessidade de buscar uma interpretação que não seja a que decorre da leitura mais óbvia do dispositivo. É, ainda, da sua natureza excluir a interpretação ou as interpretações que contravenham a Constituição”; e Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional, 1999, pp. 230 e 235: “Oportunidade para interpretação conforme à Constituição existe sempre que determinada disposição legal oferece diferentes possibilidades de interpretação, sendo algumas delas incompatíveis com a própria Constituição. (…) Não raras vezes, a preservação da norma, cuja expressão literal comporta alternativas constitucionais e alternativas inconstitucionais, ocorre mediante restrição das possibilidades de interpretação, reconhecendo-se a validade da lei com a exclusão da interpretação considerada inconstitucional”.
Fonte: Migalhas