Se o artigo 51 da Lei 8.245/91 assegura ao locatário a renovação do contrato de locação, desde que satisfeitas, “cumulativamente”, as condições previstas em seus incisos, o artigo 52, seguinte, pode desobrigar o locador à renovação, se invocar e cumprir o compromisso de “fazer modificação de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade”. A limitação do direito à renovação confirma o provérbio de que virtus in medio. A recomendação latina, por sinal, confere estrutura à ponderação da ministra Nancy Andrighi, externada no REsp 1.323.410-MG, recentemente julgado, onde observa com pertinência:
“A renovatória, embora vise garantir os direitos do locatário face às pretensões ilegítimas do locador de se apropriar do patrimônio imaterial, que foi agregado ao seu imóvel pela atividade exercida pelo locatário, notadamente o fundo de comércio, o ponto comercial, também não pode se tornar uma forma de eternizar o contrato de locação, restringindo os direitos de propriedade do locador, e violando a própria natureza bilateral e consensual da avença locatícia.” Daí a pertinência da ressalva contida na parte final do inciso I do artigo 52, ensejando a oposição do proprietário-locador em renovar compulsoriamente a locação do prédio locado, sob o fundamento de que pretende “aumentar o valor do negócio ou da propriedade”. Nem por isso, sua aplicação é pacífica. A divergência, tanto da jurisprudência quanto da doutrina não se posiciona, especificamente, na comprovação da indispensável valoração significativa em relação ao imóvel locado e do aumento expressivo no rendimento econômico, mas sim, na obrigatoriedade de se fazer dita comprovação com a contestação (cf. §3º do artigo 72). Esta prova (documental) consiste, como indica esse §3º, na planta aprovada da prefeitura da construção a ser erguida, acompanhada de “relatório pormenorizado das obras a serem realizadas e da estimativa de valorização que sofrerá o imóvel, assinado por engenheiro devidamente habilitado”. Noutras palavras, caberá ao engenheiro habilitado descrever o prédio a ser construído e a demonstração de que o rendimento locativo de suas unidades superará o aluguel proposto pela locatária. Ocorre que nem sempre o locador se encontra documentalmente preparado para exibir, com a contestação contestação, a prova exigida para obstar a renovação. Silvio de Salvo Venosa, embora afirme ser necessário a juntada com a contestação, reconhece que nem sempre isso é possível, caso em que “será necessária a produção de prova pericial no curso do processo”. (Lei do Inquilinato Comentada, 11ª ed., pág. 232). Do mesmo entendimento é José Guy de Carvalho Pinto (Locação e Ações Locativas, pág. 527), citando várias decisões neste sentido, entre as quais: “É indispensável prova de que o proprietário respectivo já se encontra aprovado pelos órgãos municipais competentes, tornando-se despicienda a alegação de que o locador não comprovou idoneidade financeira que permita o investimento.” Neste sentido, abona a Súmula n° 374 do STF, ainda aplicável, que “na retomada para construção mais útil, não é necessário que a obra tenha sido ordenada pela autoridade pública”. Vários autores silenciam sobre o momento de produzir a prova da futura construção. Dúvida, porém não resta que o locador deverá, necessariamente, comprovar sua condição de “proprietário” “proprietário”, o que parece evidente. A recomendação óbvia, como alerta Francisco Carlos Rocha de Barros, é “na análise do caso concreto deverá prevalecer o bom senso”. (Comentários à Lei do Inquilinato, ed. 1995, pág. 272). Ora, bom senso, é se admitir que, no curto prazo da contestação, torna improvável que o locador já tenha em seu poder a documentação necessária à comprovação de sua deliberação em construir. Notadamente quando o locatário antecipa, em vários meses, a propositura da ação renovatória, surpreendendo o locador. Impende considerar que nem todos os autores afirmam, categoricamente, que a prova da construção futura deve ser apresentada com a contestação contestação: Sylvio Capanema de Souza (A Lei do Inquilinato Comentada, 6ª ed., pág. 221 e segs.); Gildo dos Santos (Locação e Despejo, 7ª ed., pág. 359) e Maria Helena Diniz (Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, ed. 1992, pág. 218 e segs.) silenciam a esse respeito. Contudo, o saudoso J. Nascimento Franco alertava: “O licenciamento das obras poderá, entretanto, ser feito no curso da ação, caso o locador não tenha tido tempo de obtê-lo até o dia da contestação, existindo mesmo decisões que dispensam qualquer prova desse licenciamento, visto como a ação costuma durar bastante tempo e o prazo de validade do alvará de construção termina, geralmente, em seis meses, exigindo sucessivas revalidações.” Alerta, porém, Nascimento Franco: “Não basta formular pedido de retomada e pretender que a perícia venha demonstrar que as obras são exequíveis e proporcionarão melhor aproveitamento do prédio, pois os laudos periciais visam a confirmar, e não a suprir, a prova do licenciamento das obras e o relatório justificativo exigido pela lei, como peça instrutória da exceção de retomada.” (Ação Renovatória, 1994, págs. 178/179) Acórdão relatado pelo des. Ruy Coppola, em 23/11/2006 admite a comprovação no curso da instrução, ou seja, antes da sentença. Em sentido contrário, porém, acórdão, relatado pelo des. Eros Piceli, em maio/ 1992, rejeitou a prova tardia, feita na pendência de julgamento do recurso de apelação. Segue-se das anotações feitas que o “bom senso” indica ser admissível a produção da prova do licenciamento da nova construção, desde que já esteja em curso, perante a prefeitura, projeto de aprovação da edificação de valor mais valioso e de rendimento econômico mais vantajoso. Vale dizer que o projeto de construção deve, necessariamente, ter ingressado na prefeitura antes da contestação contestação, cuja comprovação deve vir acompanhada do relatório de engenheiro habilitado do qual constará a “estimativa de valorização que sofrerá o imóvel” É o bom senso da interpretação do §3º do artigo 72 da Lei 8.245/91.
Fonte: Tribuna do Direito, Edição nº 253, maio de 2014, p. 06.